Bons sintomas

Dois novos álbuns da label Sintoma, uma das editoras mais consistentes na contínua divulgação do jazz feito em Portugal.

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Samuel Lercher acaba de chegar e já marcou a sua posição

Em 2010 o baterista Jorge Moniz apresentava-se ao mundo com o disco Deambulações. Bem acompanhado por Júlio Resende, Mário Delgado e João Custódio, o baterista e compositor mostrava ideias e energia. Passados alguns anos, dá um novo passo em frente, com uma formação semelhante a esse disco de estreia, apenas com uma alteração: mantêm-se Delgado e Custódio, no piano sai Resende e entra Luís Figueiredo.

Se no primeiro disco havia aproximação do jazz à raiz portuguesa, neste segundo essa ligação é reforçada: há um tema popular, Aurora tem um menino, refeito com a voz de Joana Espadinha (cantora convidada); com Chula Quebrada há uma chula ajazzada, com a voz de Paulo Ribeiro (o outro cantor convidado); e há um belíssimo tema de Fausto, Porque não me vês, recriado com a guitarra de Delgado a desenhar a linha melódica. Mas aqui há bem mais do que Portugal: há a electrónica assumida de Interruptor, o tema de abertura; há fusão, há rock. A bateria mantém-se sóbria mas sempre precisa, deixando brilhar a guitarra de Delgado e o piano de Figueiredo; o contrabaixo de Custódio complementa, seguro. As composições de Moniz têm personalidade, revelando ideias fortes e diversidade. Esta é uma música que não se deixa fechar em fronteiras de género.

Pianista francês a residir em Portugal, Samuel Lercher apresenta o seu disco de estreia num trio com André Rosinha (contrabaixo) e Marcelo Araújo (bateria). Neste disco é o piano que está no centro de tudo, a assumir sobre si mesmo toda a atenção. Não é caso para menos: à sua formação clássica, Lercher junta uma óptima fluência discursiva jazzística. A dupla rítmica não tem um papel estático, meramente acompanhante, e sabe intervir, acrescentando dinâmica sempre que necessário. O trio trabalha um conjunto de temas originais onde se evidencia um notório cariz lírico – apenas um tema não é original, Variações sobre a Dança Breve nº 1 de Fernando Lopes-Graça, a fechar o disco. Mas atenção, este disco não se limita a essas coordenadas de lirismo e beleza melancólica, também aqui há swing e groove – ouça-se a frenética Lusíadas (Mon Voyage). Com a tranquilidade e a elegância dos grandes, Samuel Lercher acaba de chegar e já marcou a sua posição. Com delicadeza, sem estrondo.



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