Yto Barrada engana-nos com a arte popular de Marrocos

Salon Marocain, primeira exposição em Portugal de Yto Barrada, "decora" a Casa de Serralves.

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A artista marroquina Yto Barrada na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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A artista marroquina Yto Barrada na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Exposição Salon Marocain na Casa de Serralves Adriano Miranda
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A artista marroquina Yto Barrada na Casa de Serralves Adriano Miranda
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Maqueta do primeiro projecto para a Casa de Serralves, de 1931 Filipe Braga
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Maqueta do segundo projecto para a Casa de Serralves, de 1943 Filipe Braga

A Casa de Serralves, no Porto, vai estar, este Verão, transformada num “salão marroquino”. Mas não num espaço com a profusão de cores, objectos e sinais exteriores de riqueza e exoterismo dos “salões árabes” que na viragem dos séculos XIX/XX fascinaram muitas capitais europeias. Trata-se, antes, de um percurso, quase minimalista, pela arte popular e por testemunhos da vida quotidiana traçado por Yto Barrada, uma artista marroquina nascida em Paris em 1971, que cresceu em Tânger e fez o seu percurso artístico entre Marrocos, a França e os Estados Unidos.

Salon Marocain (Salão Marroquino) é mesmo o título da nova exposição que esta quarta-feira abre ao público em Serralves, a inaugurar um novo ciclo de mostras na Casa, e que é comissariada pela directora do Museu de Arte Contemporânea (MACS), Suzanne Cotter.

“Mas este não é um Salão Marroquino para os turistas, é uma mostra da arte popular do meu país”, disse esta terça-feira Yto Barrada, no decorrer da visita de apresentação da exposição aos jornalistas.  

No momento, Cotter explicou que esta é a primeira exposição em Portugal de Barrada, fotógrafa, cineasta, escultora, e que os seus trabalhos foram adequados à icónica Casa de Serralves como “uma meditação artística sobre o espaço”.

A directora do MACS acrescentou que “o trabalho de Yto Barrada evoca com engenho histórias interrelacionadas do colonialismo, as raízes etnográficas do modernismo do século XX e legados de expropriação e falsa acumulação informados pelas exigências da economia contemporânea”. Uma narrativa que a própria artista depois exemplificou guiando os jornalistas através das salas deste “lugar único, mágico” – disse –, que agora serve de cenário para os seus trabalhos.

Numa exposição que mantém livre a total fruição da arquitectura art déco da casa mandada construir por Carlos Alberto Cabral (1895-1968), três salas do rés-do-chão são “decoradas” com três séries de 25 de fotografias com brinquedos berberes actualmente em depósito no Museu Quai Branly, em Paris, e que foram recolhidos nos anos 1930 pela etnóloga francesa Thérêse Rivière (1901-1970). “É a primeira vez que exibo estas fotografias de brinquedos que, se eu vivesse nesta casa na década de 30, imaginaria muito bem que poderia ter na minha colecção”, disse Barrada, associando estes objectos àqueles que, por essa época, influenciaram a geração surrealista e marcaram inclusivamente a produção artística de figuras como Picasso, Kandinsky ou Matisse.

Já dificilmente imaginaríamos que o 2º. conde de Vizela pudesse guardar na vitrina da sua sala-de-jantar os fósseis falsos (Pedras enganadoras) com que Yto Barrada, em conjunto com um documentário (Falsa partida) exibido ao lado, celebra “o trabalho duríssimo” dos artesãos que fazem esculturas e fósseis falsos nas montanhas do Atlas.

No piso de cima, duas novas séries de fotografias documentam outra forma de “escultura” popular, nos ready-made construídos com canos, torneiras e anilhas com que canalizadores desempregados anunciam a sua profissão e pedem trabalho na Praça Grand Socco, junto à medina de Tânger (Assemblagens de canalizador), e no trabalho que Barrada fez para o Centro Canadiano de Arquitectura, em Montreal (Reaver Casa. Carrières centrales, Casablanca).

Esta última série de 19 imagens colocadas em duas paredes regista a apropriação que os moradores fizeram de um complexo urbano modernista de meados do século XX, em Casablanca. Uma situação que Barrada imagina que podia muito bem acontecer – e acontece – em Portugal, com as pessoas “a apropriarem-se e a transformar um projecto utópico moderno” em algo mais próximo dos seus hábitos e gostos – vejam-se as portas redecoradas, as varandas aumentadas, os azulejos mudados de lugar…

A melhor forma de terminar a visita ao Salão Marroquino de Yto Barrada é, a partir ainda do piso superior da Casa, admirar as cores e a geometria dos três tapetes manufacturados pelas artesãs da Casa das Mulheres de Darna, em Tânger. Os tapetes foram inspirados nas imagens abstractas da artista suíça Sophie Taeuber-Arp (1889-1943). “Foi um atelier em que eu própria participei, e que me permitiu de certo modo contar a história do modernismo inspirada nas artes tradicionais de Marrocos”, diz Barrada.

A exposição Salon Marocain, que vai ficar em Serralves até 20 de Setembro, será acompanhada, durante o mês de Julho, com um ciclo de cinema marroquino, um programa trazido da Cinemateca de Tânger, que Yto Barrada também ajudou a fundar.

O “arquitecto” Carlos Alberto Cabral
A visita à exposição Salon Marocain de Yto Barrada é um bom pretexto para ver de novo também por dentro a casa construída pelo 2º. conde de Vizela. É à história da construção deste edifício único, já classificado (com o restante conjunto de Serralves) como Monumento Nacional, que o MACS agora igualmente regressa com a exposição que está a apresentar na Biblioteca, Casa de Serralves, o cliente como arquitecto.

Comissariada pelo arquitecto e professor André Tavares, esta exposição é, de algum modo, a explanação documental do trabalho de investigação por este realizado para uma tese, que depois deu o livro Os Fantasmas de Serralves (Dafne Editora, Porto, 2007). É também a oportunidade para dar a conhecer a amplitude e a importância da documentação que a Fundação de Serralves tem vindo a reunir relativamente à história da propriedade e das sucessivas edificações dentro dela.

A novidade maior da nova exposição está na construção de duas maquetas (pelo atelier de Alvaro Negrello), que mostram a evolução ocorrida durante o período (1927-43) em que decorreu a construção da casa de Carlos Alberto Cabral. Na primeira versão, a que foi licenciada pela Câmara do Porto em 1931, é notória uma solução ainda muito condicionada pela decisão de camuflar a velha casa de família que Cabral herdara em 1925, nomeadamente com o volume que aí era ainda dado à capela. A solução de 1943 vem já simplificar muitas soluções construtivas e conferir a unidade que o edifício hoje mantém.

Nas duas vitrinas da exposição (em que está em destaque o papel do arquitecto José Marques da Silva em todo o processo, além da correspondência do conde de Vizela com os arquitectos e artistas franceses que para ele trabalharam), bem como nas fotografias e documentos expostos em volta, é possível perceber que, como reafirma André Tavares, Carlos Alberto Cabral voi o verdadeiro “arquitecto” da sua casa. Até porque “tinha a visão, o gosto, o desejo e os recursos necessários para [a] conceber”.

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