A melhor banda de rock...

Os Radiohead? Os The National? Não, Lightning Bolt.

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Celebre-se a “heresia”. O thrash-metal chegou finalmente, se a memória for confiável, às páginas deste suplemento. E, o que é surpreendente, sem “roubar” um nome à Terrorizer. O feito é dos Lightning Bolt, o duo de Providence, Rhode Island, que nos seus tempos áureos entusiasmou Dan Snaith (Caribou), Wayne Coyne, Kieran Hebden, Thurston Moore, Tom Jenkinson (Squarepusher) ou Mats Gustafsson. Quem acompanhou esta banda magnífica entre 2000 e 2007 e esteve, numa certa noite de 2008, no parque de estacionamento do Largo do Camões (cortesia da ZDB) sabe que todo os entusiasmos foram merecidos.

Mas à aclamação seguiu-se um abatimento. Brian Chippendale (bateria) e Brian Turner (guitarra-baixo), homens que para quem a carreira nunca foi um fim, tinham outros planos. Entre concertos e colaborações avulsas, o primeiro dedicou-se à BD experimental, o segundo aos jogos de computador, e o som dos Lightning Bolt foi-se petrificando. Depois das obras-primas Ride The Skies (2001) e Wonderful Rainbow (2003), seguir-se-iam três discos desapaixonados. O bailado juvenil entre melodia, improviso e velocidade não resistiu à energia grosseira do som, ao entorpecimento bruto do volume. O duo continuaria sob o radar da crítica mas, agora, menos por causa da música, do que pelas actuações ao vivo e a raridade das entrevistas.

Até que a Thrill Jockey anunciou em Março Fantasy Empire. Bettina Richards, responsável pela editora americana, nunca escondeu gostar da música do Lightning Bolt e não hesitou, assim que teve a oportunidade, em juntá-los um elenco já de si respeitável. Em boa hora o fez, pois o novo disco é estupendo. Reinscreve os dois Brians na história do rock americano, sem necessidade de inovações, novidades e saltos estilísticos (apesar de aparições discretas de samples). Chippendale continua a cantar com um aparelho acoplado à boca e a agitar a bateria com a alegria furiosa de um miúdo. Turner parece que está a tocar três guitarras. Quanto à interacção entre ambos, continua maravilhosamente intacta. Chamem-lhes power-duo.

Da discografia dos LB, esta é a obra mais panorâmica. Há referências ao crossover (Suicidal Tendencies, DRI), ao punk da SST (Hüsker Dü, Black Flag, Meat Puppets), à cena de Providence, ao hardcore californiano, ao noise japonês (Boredoms, Ruins), aos Slayer ou aos Voivod. Eis uma galeria (selvagem) em que o duo se revê ou a sua história não partilhasse éticas e modos de fazer com aqueles nomes. The Metal East e Over The River And Through The Woods são as faixas que mais devem ao metal e ao crossover, com sucessivas paragens e acelerações, e um ou dois solos antes de libertação final. Horsepower é fabulosa, guiada pelos gritos de Chippendale, mas sobretudo pelos riffs que Turner arranca dos pedais e das cordas. Impele, move o corpo, sem ser autoritária.

A bloquear a tentação da violência está o júbilo que contagia todo o disco e a inclinação dos Lightning Bolt para o jogo e a desconstrução, sem que isso signifique o esvaziamento ou a destruição das canções. Regressam, reconstroem-se, como a espantosa King Of My World ou Mythmaster em que o ritmo volta sempre a tempo de aplacar o delírio do feedback. Nesta última, como em Runaway Train (um hino ao proto-punk e ao prog) as formas vão mudando, não há uma, mas várias dimensões. E o talento para criar várias canções numa só também se estende a Dream Genie, com a Turner a conciliar virtuosismo e amadorismo. À genialidade simples dos Lightning Bolt não estão alheios aspectos que ainda ligam as pessoas à música, como o culto do rimo, a atracção pela melodia, a celebração comunitárias dos sons. A última faixa é exemplar dessas qualidades. Arranca com acordes que podiam ser dos Hüsker Dü e finaliza num ritual que emula as grandes festas dos Boredoms. Thrash-metal.

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