A escola impossível

Nas actuais discussões sobre a escola, as questões da avaliação ocupam um lugar preponderante, de tal modo que até nos esquecemos de que falar da escola deveria ser, antes de mais, falar dos saberes, da transmissão desses saberes, dos professores que são simultaneamente detentores de saber e “técnicos” da transmissão, da instituição antiga e dotada de um enorme poder de resistência, onde se entra para um encontro “amoroso”. Por isso é que o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) se tornou um dos aparelhos - de índole técnica, mas com vocação ideológica - mais conhecidos do Ministério da Educação e Ciência. O seu presidente, Hélder de Sousa, é um ideólogo da avaliação. Há dias, refutando as críticas aos exames, ocorreu-lhe, como argumento, uma metáfora desportiva: os alunos devem ser como os atletas que se começam a preparar para as provas desde o primeiro momento, num processo contínuo e sem sobressaltos da véspera. O problema é que esta metáfora desportiva traz para a escola um exemplo que ela sempre entendeu que não lhe servia: o espírito do torneio, da competição desportiva, que na verdade se difundiu em toda a actividade escolar, por força da convicção de que a escola deve adestrar os alunos em função de um modelo social e económico. Daí decorre a lógica da meritocracia. E a meritocracia (que é um projecto de engenharia social e, como tal, diferente do mérito) exige instrumentos para fazer medições objectivas. Esses instrumentos são os testes, os exames. O IAVE é o laboratório científico onde se trabalha para que as provas de avaliação sejam cada vez mais apuradas. Significa isso que elas devem responder a exigências de objectividade, de modo a garantir medições sem falhas. A chamada “grelha” de avaliação é um instrumento fundamental da ciência dos testes. É uma coisa complicadíssima, um longo manual de instruções, regras e prescrições destinadas a anular ou, quando tal não é inteiramente possível, a disciplinar a subjectividade dos professores que corrigem os exames. O juízo subjectivo do professor deve ficar reduzido a mero resíduo, mesmo nas provas das disciplinas de humanidades, onde este imperativo é um constrangimento difícil de superar. A prova perfeita a que aspiram os ideólogos do IAVE é aquela que requer uma tecnicização total do trabalho de avaliação, ao mesmo tempo que se conforma a um standard perfeito, rigorosamente respeitado para que as medições cumpram a exigência de objectividade. É preciso, por exemplo, que de uma época para outra não haja oscilações no grau de dificuldade das provas. Um ligeiro desvio na elaboração da prova ou na grelha de correcção estraga o belo edifício. Essa preocupação, manifestou-a recentemente o presidente do IAVE, mesmo quando tentou negar esta evidência: quanto mais se desenvolvem os instrumentos que servem esta ideologia da avaliação, mais a ela respondem as escolas, os professores e os alunos por meio da construção de competências mensuráveis (é a isto que se chama “preparação para os exames”). A eficácia instrumental e ideológica destas provas e das respectivas grelhas estende-se muito para além do exame: mostra-se assim aos professores que eles não passam de agentes da educação, e é com esse estatuto simbolicamente diminuído que ocupam o seu lugar. Um lugar de desterro, de onde a maior parte só pensa em fugir. De resto, não podemos esquecer que os exames não servem apenas para avaliar os alunos. Pela mesma via, escolas e professores também são avaliados. Os únicos implicados no processo que ficam fora da avaliação são os próprios avaliadores. 

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