Polícia acredita que ataque ao director do Ballet Bolshoi foi motivado por questões profissionais

Serguei Filin, de rosto coberto de ligaduras, recordou da sua cama de hospital o ataque com ácido que sofreu quinta-feira. A polícia segue pista de ataque motivado por questões profissionais. A história do Bolshoi está repleta de intrigas, mas um incidente deste tipo é inédito.

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Sergei Filin durante uma entrevista no hospital DR
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O director artístico em Abril de 2011 no Teatro Bolshoi em Moscovo

A recuperação do director do Ballet Bolshoi será longa mas, ao contrário do que se temia, Sergei Filin não corre o risco de perder a visão. Enquanto a polícia moscovita dirige as investigações desde o interior do teatro, funcionários e bailarinos reagem chocados ao ataque. A mãe do director afirma saber quem é o responsável.

Foi um Sergei Filin de rosto coberto de ligaduras que recordou na sua cama de hospital o ataque de que foi alvo na noite de quinta-feira, quando regressava a casa, em Moscovo. “Vi alguém com um capuz. Vi a sua mão e assustei-me. Pensei que iria disparar sobre mim”, contou à Ren TV na sexta-feira, citado pelo jornal britânico The Guardian. Como sabemos, o atacante não disparou. Atirou ácido à cara do director do Ballett Bolshoi e fugiu. “Isto está ligado ao meu trabalho. Alguém não gosta que eu esteja a dirigir com sucesso o Bolshoi”, disse.

O incidente, desfecho de um crescendo, intensificado nas últimas semanas, de ameaças telefónicas e intimidações (pneus furados, ameaças aos filhos, divulgação de mails privados), iniciado quando Sergei Filin, 42 anos, antigo bailarino principal do Bolshoi, foi nomeado em 2011 seu director, está a ser investigado pela polícia moscovita desde o interior do próprio teatro, adiantou no sábado ao canal televisivo Rossia 24 o director-geral do teatro, Anatoli Iksanov, citado pela AFP. Desde sexta-feira que os investigadores interrogam artistas e outros empregados do teatro, adiantando a AFP que estes privilegiam a hipótese de o ataque ter sido motivado, como afirma Sergei Filin, por questões profissionais – no dia do ataque, foi dito que a hipótese de crime passional ou de retaliação ligada a negócios de Filin não poderiam também ser postas de parte.

O ácido provocou queimaduras de terceiro grau no rosto e os médicos mostravam-se especialmente preocupados com os efeitos que estas teriam nos olhos de Sergei Filin. A recuperação será lenta (está estimada em seis meses), mas ontem o Bolshoi adiantou que o seu director geral não está em risco de perder a visão, como se chegou a recear. Também foi confirmado que será tratado em Moscovo, contrariando a hipótese levantada de uma transferência para hospitais na Bélgica, Alemanha ou Israel.

Numa conferência de imprensa no sábado, Anatoli Iksanov revelou que no dia do ataque Sergei Fillin lhe confessara começar a recear pela segurança dos seus filhos. O Director Geral do teatro respondeu então, cita o New York Times, que pressões e ameaças fazem parte da “profissão de liderança, portanto é normal [que aconteçam]”. Acto contínuo, reconheceu que não, não é normal um ataque deste tipo.

No sábado, bailarinos do Bolshoi ou anteriormente ligados ao ballet, reagiam com choque ao sucedido. “O que aconteceu com Sergei Filin não é uma coincidência”, escreveu no Facebook Alexey Ratmansky, seu antecessor na direcção artística, queixando-se da ausência de ética de teatro, destruída por “um grupo específico de pessoas”.  Ratmansky chama-lhe uma bola de neve: “Um conjunto repugnante de bajuladores amigos de artistas e intriguistas, fãs algo lunáticos preparados para cortar a garganta dos rivais dos seus ídolos, mentiras na imprensa e entrevistas escandalosas de funcionários”. A mãe de Filin disse à imprensa russa saber a identidade do atacante: “Sei quem é esta pessoa e irei decididamente dizê-lo às autoridades”.

Anastasia Volochkova, antiga bailarina do Bolshoi, era citada no New York Times com declarações pungentes: “Que os conflitos sejam decididos desta forma no Bolshoi – toda esta ilegalidade, esta corrupção e ausência de humanidade – é o sinal do fim”. Este prenúncio de “fim”, utilizando a expressão de Volochkova, surge porém num momento de renascimento. Simbólico, pelo menos. Depois de um processo de restauro prolongado por seis anos e não isento de polémica pelas transformações que implicou, mal recebidas em alguns sectores por aquilo que consideravam opulência de novo-riquismo, o teatro foi reaberto ao público em Outubro de 2011.

Sergei Fillin fora nomeado director-geral do ballet alguns meses antes, em Março, e a sua direcção não teve traços particularmente controversos. A intriga e as disputas de poder, contudo, são parte dos 234 anos de história da instituição. O New York Times recordava ontem histórias de bailarinos que colocavam despertadores entre a audiência, preparados para disparar quando os rivais estivessem em palco, ou de pedaços de vidro partido colocados na ponta de sapatilhas. Mais recentemente, pouco antes da nomeação de Sergei Filin, o director Gennady Yanin foi obrigado a abandonar o cargo depois de terem sido divulgadas anonimamente fotos em que surgia tendo relações sexuais com outro homem. Ainda assim, um ataque com a gravidade do sofrido por Filin é inédito nos conturbados bastidores do Bolshoi.
 
 
 

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