Jason Molina: desapareceu um discreto monumento da Americana

O singer songwriter americano, elo que ligava o intenso Neil Young às profundidades de Will Oldham, morreu sábado na sequência de problemas relacionados com alcoolismo

Foto
Jason Molina editou ao longo da carreira em nome próprio, enquanto Songs: Ohia ou Magnolia Electric Co. DR

Não sabíamos onde andava Jason Molina. Sabíamos das tentativas de desintoxicação a que se submetia há mais de dois anos, tentando ultrapassar a dependência do álcool. Passara por Londres, por Nova Orleães, por Indianápolis ou por Chicago. Jason Molina, que ao longo da carreira assinou em nome próprio ou como Songs: Ohia e Magnolia Electric Co., criou música da mais pungente desolação, álbuns da mais funda Americana.

Inscreveu-se num elo que ligava o mais visceral e emocionalmente intenso Neil Young aos abismo de I See a Darkness, de Will Oldham. O ano passado, conhecemos Autumn Bird Sings, uma colecção de gravações caseiras anteriores ao seu desaparecimento do olhar público. É o seu último álbum. Hoje, segunda-feira, a Pitchfork noticiou a morte. De uma forma duramente sucinta: “Molina morreu Sábado, 16 de Março, de colapso de órgãos causado pelo consumo de álcool”.

Nascido em Ohio, Jason Molina editou o seu primeiro álbum, “Songs: Ohia”, em 1997. Apesar de creditado a Songs: Ohia, a primeira fase da sua carreira é feita efectivamente a solo, rodeando-se de músicos diversos e editando a um ritmo febril. No centro das suas canções, sempre, uma intensa melancolia e uma dor que nunca percebíamos se algum dia viria a ser aplacada. Músico literato que, à parte o trabalho enquanto músico, foi bibliotecário em muitas das cidades a que a vida em deambulação o conduziu – “a última vez que contei, tinha vivido em mais de 33, o que é mesmo muito para quem não chegou ainda aos 40”, contava em 2011 ao site The Faster Times -, Molina alimentava-se totalmente da tradição americana, a que nascera com o blues e com o country dos Appalaches, e que se electrificara com Dylan, The Band ou Neil Young. Por mais que viajasse, dizia, nunca abandonava o Midwest americano em que nascera.

Colaborador em períodos diferentes de Will Oldham, que lhe editou o primeiro single na sua Palace Records, de Alasdair Roberts, Scout Niblett ou My Morning Jacket, Jason Molina iniciou uma segunda fase da sua carreira no arranque do novo milénio, quando reuniu uma banda para o acompanhar de forma mais consistente e passou a ter na guitarra eléctrica a companhia mais habitual. Em 2003, com a edição do magnífico Magnolia Electric Co, vemos surgir o novo Jason Molina. Não mais utilizaria o nome Songs: Ohia. Tal não signficava, porém, que a natureza da sua música se tivesse alterado.

Editou álbuns de música esparsa em nome próprio, foi líder dos seus próprios Crazy Horse enquanto Magnolia Electric Co, e vimo-lo mergulhar nas profundezas da alma com uma guitarra acústica por companhia, rodeado de banda fúnebre ou acompanhado por caixa de ritmos. Ouvimo-lo “rockar” com fogo e propriedade, ouvimo-lo sussurrar num alpendre imaginário (quando a escuridão já tivesse baixado sobre a planície, naturalmente). Mas era sempre, indiscutivelmente, Jason Molina que ouvíamos. O homem que dizia preferir sentar-se num banco de igreja e ouvir a música da cerimónia a pôr a rodar um disco, o músico que não se limitava a acreditar que existiam fantasmas: “vejo-os, falo com eles, estou completamente rodeado por eles”, dizia na entrevista supracitada.

Em Setembro de 2011, uma mensagem no seu site oficial explicava mais detalhadamente os contornos da doença que o levara a cancelar uma série de concertos. Era referido o seu internamento em várias clínicas nos dois anos anteriores, bem como o incomportável crescimento de contas por pagar (Jason Molina não tinha seguro médico), e pedia-se aos fãs que contribuíssem com o que lhes fosse possível. “Ele está actualmente a trabalhar numa quinta na Virgínia a criar cabras e galinhas”, informava-se. E líamos também que estava entusiasmado com a ideia de voltar a gravar música brevemente. Não voltou a fazê-lo.

Em 2005, gravara estes versos no single No moon on the water: “The way I’m acting, it’s no wonder / The blues come / I can’t outrun them / I ain’t foolin’ me / I ain’t foolin’ no one / I have to work hard to suffer alone / I have to work harder to be so alone”. 

Sugerir correcção
Comentar