Ela e Ele

Apenas 15. É esse o número de anos que terá de esperar para poder ter um relacionamento amoroso com um robô. Quem o diz é o especialista em inteligência artificial Ray Kurzweil, próximo de Bill Gates ou Bill Clinton, novo director de engenharia do Google e conhecido por outras previsões que se vieram a revelar certeiras.

Nas últimas semanas desdobrou-se em entrevistas, um acontecimento a que não deverá ser alheio o propósito do Google em montar um ambicioso laboratório de inteligência artificial.

As suas palavras ganharam ressonância por terem surgido na altura em que está nas salas o filme Her, realizado por Spike Jonze, que acabou por ganhar um Óscar para melhor argumento original, e que tem como protagonista o actor Joaquin Phoenix.

No filme, que se desenrola numa Los Angeles do próximo futuro, o personagem de Phoenix apaixona-se pela voz (de Scarlett Johansson) do sistema operativo do seu computador. Em termos cinematográficos constituiu uma transmutação de outros filmes que já haviam experimentado a separação entre corpo e voz, imagem e som, presença e ausência do ecrã.

Mas o filme tem sido analisado essencialmente através da lupa comportamental, como se fosse uma projecção futurista dos relacionamentos amorosos.

O que é discutível. Porque do guarda-roupa à forma plástica como nos é devolvida uma sociedade consumista e aparentemente confortável, surda em relação às dificuldades relacionais, à melancolia e à solidão, tudo nos remete para o presente. Um presente um pouco exagerado, talvez. Mas ainda assim presente.

A história de amor, o centro do argumento, e o motivo pelo qual o filme tem sido enaltecido, constituiu apenas uma variação dos relacionamentos românticos de hoje. Com ou sem inteligência artificial, com ou sem robôs, toda a gente conhece alguém que já se apaixonou por outrem apenas através da voz ou, na era das redes sociais, pelo perfil de alguém.

No filme, o relacionamento do protagonista com Samantha não é diferente com o que ele mantém com mulheres reais. Ou seja, é mais uma variante da procura do par perfeito, uma relação idealizada, sem conflitos, sem arestas, um pouco narcisística, que naturalmente só pode conduzir à desilusão ou à culpabilização.

Não é por acaso que, no filme, à medida que a relação entre o homem e a voz do sistema operativo se vai desvendando, para lá da vitrina inicial, começam os problemas. Instala-se a apatia e não se vislumbra qualquer constância para superar as dificuldades, os avanços e recuos, que qualquer relação sofre.

Na verdade as fábulas sobre as fronteiras entre o homem e as máquinas, o real e o virtual, não são outra coisa senão histórias de humanos à procura de uma perfeição que não existe. Por outras palavras, em busca da imortalidade. Não é aliás por acaso que essa é a grande fantasia do guru tecnológico Ray Kurzweil.

Talvez no futuro consigamos vislumbrar num robô o par perfeito. Por agora um software como o Windows, que faz funcionar a maior parte dos computadores, ou o Android, o mais usado em smartphones, ainda não consegue simular a existência humana.

Mas mesmo que esse aperfeiçoamento dos programas ou das máquinas venha a suceder, o melhor que os humanos têm a fazer é aceitar as suas limitações. Pelo menos nos próximos 15 anos estamos condenados a aceitar e a viver com a imperfeição, a fragilidade dos relacionamentos amorosos, a morte.

 

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