Colecção Miró do BPN vai ser leiloada em Junho em Londres

A Christie's confirmou ao PÚBLICO que o novo leilão das 85 obras de Joan Miró já tem data marcada.

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As obras regressam a Portugal até ao final da próxima semana Reuters

O novo leilão das 85 obras de Joan Miró vai acontecer em Junho, disse ao PÚBLICO a Christie’s. A colecção do Banco Português de Negócios (BPN) vai regressar a Portugal até ao final da próxima semana para que se possa dar início novamente ao processo de alienação das obras, depois de ter sido cancelada a venda agendada para o início de Fevereiro por irregularidades na sua expedição.

Na quarta-feira, Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem e da Parups (sociedades criadas no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e por isso proprietárias legais das obras) revelou no Parlamento que a Parvalorem e a Christie’s já tinham chegado a acordo para uma nova venda.  

Questionada pelo PÚBLICO sobre a data do novo leilão, a leiloeira confirmou esta quinta-feira de manhã que levará à praça “a colecção de 85 trabalhos de Miró em Londres em Junho”. “Mais detalhes serão anunciados oportunamente”, acrescentou a responsável pela comunicação da Christie’s, Hannah Schweiger, não respondendo a qualquer outra pergunta.

Esta confirmação surge, assim, depois da audição de Francisco Nogueira Leite na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, em conjunto com a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. No fim da audição, Nogueira Leite disse várias vezes aos jornalistas que ainda não havia uma data para venda, acrescentando apenas que o leilão aconteceria assim que “as condições comerciais” estivessem reunidas.

Sobre o novo leilão, Nogueira Leite explicou que se aplicarão exactamente as mesmas condições da venda que devia ter acontecido nos dias 4 e 5 de Fevereiro. “Há uma continuação do contrato que fizemos a 5 de Dezembro, aplicam-se as mesmas condições”, acrescentou, explicando que “os custos decorrem por conta da leiloeira”.

Isto significa que se mantém o contrato “chave na mão”, como descreveu o primeiro-ministro há duas semanas, em que a Parvalorem e a Parups, e consequentemente o Governo, não têm de se "preocupar" com qualquer diligência do processo, nas palavras do responsável pela Parvalorem. Ou seja, cabe à Christie’s a responsabilidade de pedir as autorizações de saída das obras, contratar uma empresa de transporte e uma seguradora, entre todos os procedimentos a que o leilão obriga.

“Bem se compreende que a modalidade tenha sido esta e não outra: as sociedades vendedoras [Parvalorem e Parups] não são especialistas em arte e, tendo convidado as mais reputadas leiloeiras mundiais, naturalmente pretendiam que estas assumissem a responsabilidade por toda a logística inerente à realização do leilão, acrescentando a potencial mais-valia da sua experiência”, justificara antes, aos deputados, Francisco Nogueira Leite sobre a escolha de um contrato “chave na mão” ou “turnkey”. O presidente da Parvalorem defendeu ainda que todo o processo foi feito com a maior transparência, tendo sido por isso mesmo lançado “um procedimento aberto e concorrencial” para a escolha da leiloeira.  

A Christie’s veio a ser escolhida por 0,14% de margem em relação às outras candidatas à organização da venda das peças, o que, para Nogueira Leite, “demonstra bem quer a concorrência que se conseguiu instalar quer a transparência do procedimento”. Para trás ficaram a Sotheby’s, a Bonhams e a Phillips.

Francisco Nogueira Leite explicou ainda aos deputados que para a escolha da leiloeira foi nomeado um júri independente, “presidido pelo director de compliance das sociedades, permanentemente assessorado do ponto de vista técnico e jurídico e sem a presença de qualquer membro do conselho de administração”.

Críticas aos deputados do PS

Todo este procedimento ficou concluído em Novembro de 2013 e a assinatura do contrato com a Christie’s aconteceu no dia 5 de Dezembro, esclareceu, criticando a posição dos cinco deputados do PS, Gabriela Canavilhas, Inês de Medeiros, José Magalhães, Pedro Delgado Alves e Vitalino Canas, que “só na véspera da realização do leilão” pediram a suspensão da venda através de uma exposição à Procuradoria-Geral da República (PGR), que avançou com uma providência cautelar junto do Ministério Público (MP).

“O preço a pagar foi terrivelmente elevado”, garantiu Francisco Nogueira Leite no Parlamento, explicando que apesar de o tribunal ter negado a providência cautelar requerida, mas confirmando ainda assim que as obras tinham saído do país de forma ilegal, “a verdade é que o frenesim mediático” levou a Christie’s a cancelar o leilão.

Nogueira Leite foi mais longe ao “elogiar o facto de o MP ter, de um dia para o outro, requerido, por duas vezes, providências cautelares”, esperando que “igual diligência, empenho e determinação venha a ser seguida nas múltiplas queixas que a Parvalorem apresentou por indícios de burla na gestão do BPN”.

O presidente destas sociedades anónimas explicou ainda aos deputados que mesmo a segunda providência cautelar foi considerada nula “devido a falha processual do MP, o qual não juntou os documentos necessários ao seu requerimento”. “Tecnicamente, neste momento, não existe qualquer segunda providência cautelar”, defendeu.

As explicações de Nogueira Leite não satisfizeram os deputados da oposição, que acusaram o presidente da Parvalorem e da Parups de fugir às questões - isto porque este começou por responder a Inês de Medeiros, que iniciou a ronda de perguntas, apoiando-se apenas numa declaração de 13 páginas que trazia escrita. Foi uma intervenção de quase 30 minutos e muito contestada, com os deputados do PS, do Bloco de Esquerda e do PCP a interromperem constantemente Nogueira Leite para notar que este não estava a responder às perguntas.

Os deputados socialistas Inês de Medeiros e Acácio Pinto apresentaram um protesto à mesa, afirmando este último ter assistido a “um dos maiores desrespeitos na Assembleia da República”. Por sua vez, Inês de Medeiros continuou a exigir respostas: “Em que dia exacto é que as obras saíram do país? Quem é que autorizou a sua saída?”.

Também Gabriela Canavilhas, do mesmo partido, insistiu com Nogueira Leite para que este explicasse a saída das obras. “Não queremos saber dos motivos da venda, porque essa é uma decisão politica e está claramente identificada. O que queremos saber é como é que o senhor teve à sua guarda um conjunto de obras que valem muitos milhões e deixou sair de forma ilegal?”

Mas é esta ilegalidade que Francisco Nogueira Leite nega, dizendo aos deputados que estes não podem fazer as suas próprias interpretações da lei. “Não podemos ser acusados sistematicamente de ser negligentes”, disse, explicando que sempre agiu em defesa da legalidade e assim que foi alertado para a existência “de uma irregularidade” procurou imediatamente “sanar todo o procedimento”.

O responsável pela venda citou ainda parte de um parecer pedido pela Parvalorem, na altura em que a Direcção Geral do Património (DGPC) apontou a ilegalidade, a Fernanda Paula Oliveira, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no qual esta assegura que “a existência de uma autorização expressa confirma que os bens cuja expedição é objecto de comunicação prévia não cumprem os pressupostos para serem considerados património cultural português, o que torna irrelevante a ilicitude que pudesse existir por os mesmos terem sido expedidos antes de uma autorização (surgisse ela do decurso do tempo ou de uma decisão expressa) ”.

“A Parvalorem é uma empresa de bem, é evidente que houve uma questão que correu menos bem, mas não reconhecemos ilegalidades”, disse Nogueira Leite, acrescentando depois aos jornalistas, sobre o parecer da especialista Fernanda Paula Oliveira: “Conforta-nos no sentido da conformidade dos procedimentos legais”. “Como se compreende, por responsabilidade social, não estamos aqui a exportar obras ou a fazer tráfico de obras, como alguns deputados pareceram sugerir. Queríamos estar absolutamente blindados quanto à conformidade legal destes procedimentos”, continuou o responsável, para quem “estas são questões políticas” sobre as quais não se pronuncia. “O nosso trabalho é recuperar créditos”, atesta.

Sobre a data de saída das obras, Nogueira Leite disse desconhecer o dia em que estas viajaram para Londres. Mas a forma como estas saíram, Francisco Nogueira Leite garantiu que foi por via terrestre, em camiões de uma empresa especializada “e não por nenhuma mala diplomática”.

Expor a colecção antes de Junho é que continua a não ser uma possibilidade. O presidente da Parvalorem disse aos jornalistas que a questão não está em cima da mesa.

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