Carta aberta a Nuno Crato pede para revogar Acordo Ortográfico

Documento subscrito por mais de 200 pessoas contesta "nova ortografia" e revela disparidades na aplicação do acordo.

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Carta aberta enviada ao Governo pede a revogação do Acordo Ortográfico Miguel Madeira

É uma carta aberta e é um estudo comparativo sobre as disparidades na aplicação do Acordo Ortográfico. O documento já chegou ao ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato. O objectivo é revogar o acordo.

Depois de o Governo brasileiro ter adiado por três anos a obrigatoriedade de aplicação do Acordo Ortográfico (AO) – para 1 de Janeiro de 2016 –, um grupo de cidadãos portugueses enviou uma carta aberta ao ministro da Educação e Ciência com “um estudo comparativo das incongruências ortográficas existentes entre o texto do AO90 e vários vocabulários e dicionários”.

O documento foi enviado no domingo passado, antes de a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura ter aprovado, esta terça-feira, a constituição de um grupo de trabalho para acompanhamento da aplicação do Acordo Ortográfico. E antes de a Sociedade Portuguesa de Autores ter anunciado, esta quarta-feira, que não pretende adoptar o AO. 

O linguista Rui Miguel Duarte, autor do estudo, começa por considerar “evidente a babilónia em que a ortografia em Portugal foi lançada, a todos os níveis, desde a educação aos meios de comunicação social, passando por toda a administração pública e Diário da República”. E mostra alguns exemplos de substituições incorrectas por mau uso das regras do acordo: “pato por pacto; impato por impacto; reto por repto; intato por intacto; adeto por adepto; oção por opção; invita por invicta; convito por convicto; inteletual por intelectual; compato por compacto, seção por secção; fição por ficção; fitício por fictício.”

Doutorado em Literatura, o investigador pós-doutorando do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa comparou os vocabulários da Academia Brasileira de Letras, coordenado por Evanildo Bechara; da Porto Editora, coordenado por Malaca Casteleiro; do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) e o da Academia das Ciências de Lisboa, e ainda os dicionários da Língua Portuguesa da Porto Editora – com Acordo Ortográfico, da Língua Portuguesa Online da Priberam e também o do conversor ortográfico Lince, desenvolvido pelo ILTEC.

A conclusão deste cruzamento de informação é descrita como “caos ortográfico”, pois “estes vocabulários apresentam discrepâncias na grafia dos mesmos vocábulos, em questões em que o AO90 era incongruente, incorrecto ou omisso, resolvidas de formas divergentes, o que configura uma verdadeira certidão de óbito do presente AO90”.

Um exemplo, entre vários descritos no documento: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (organizado por Malaca Casteleiro) só regista “contacto”; já o da Porto Editora admite “contacto e contato”. Rui Miguel Duarte não compreende também o motivo por que estes dois vocabulários não aceitam “os brasileiros ‘recepção’, ‘recepcionar’, ‘decepção’, ‘concepção’, mas só os (ditos) portugueses ‘receção’, ‘rececionar’, ‘deceção’, ‘conceção’”.

Inconstitucionalidades
Além do estudo, o documento invoca a posição de Angola contra a entrada em vigor do acordo e alega “inconstitucionalidades do AO e das resoluções que o implementam”, nomeadamente “a violação do dever estatal de defesa do património cultural”. Defende ainda que o prazo de transição de seis anos deverá ser contado a partir de 17 de Setembro de 2010, altura da publicação da ratificação (“através do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 255/2010”). Ou seja, “o prazo de transição terminará somente em 17 de Setembro de 2016”. E não em 2015.

Os subscritores da carta aberta são “cidadãos portugueses opositores do Acordo Ortográfico, conscientes dos seus fracos fundamentos científicos, da nebulosidade que levou à aplicação do mesmo e atentos aos efeitos nefandos que ele está a provocar na literacia dos portugueses”, disse ao PÚBLICO, via email, Rui Miguel Duarte, bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia em França.

Tentando decifrar o perfil dos assinantes, acrescenta que serão “pessoas com formação superior, atentas, que lêem jornais, livros, estudantes ou professores, pais preocupados com o tipo de formação ministrada aos filhos, pessoas que lidam com a língua escrita”.

A divulgação começou no Facebook e a recolha de assinaturas continua. “Qualquer pessoa que disponha dos links pode ler a carta e subscrevê-la. Poderá até transformar-se em petição”, disse mais tarde, em conversa telefónica.

O documento foi enviado por correio electrónico para o ministro da Educação e Ciência, com conhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros e do secretário de Estado da Cultura. Do gabinete do ministro da Educação, chegou a informação de que ordenara reenvio para o secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, por “se tratar de assunto da sua competência”.
 
Notícia corrigida às 19h33 No sétimo parágrafo, foi substituído Vocabulário Ortográfico Português (produzido pelo ILTEC) por Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (organizado por Malaca Casteleiro), depois de ter sido detectado um erro na nota de imprensa.

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