Administradores da Fundação Côa Parque preferiam outro modelo de gestão

Presidente da fundação sugere que esta dê lugar a um instituto público

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Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa Paulo Pimenta

Os cortes impostos por lei às transferências financeiras do Estado para as fundações levam Fernando Real, presidente da fundação que gere o museu e o parque arqueológico do Côa, a sugerir que esta dê lugar a um instituto público. Os dois restantes administradores da Côa Parque – Gustavo Duarte, presidente social-democrata da Câmara de Vila Nova de Foz Côa, e José Ribeiro, o professor que em 1995 transformou a escola secundária local no centro da luta pela preservação das gravuras rupestres – também não defendem a actual solução, mas preferem não propor, para já, alternativas concretas.

A situação não deixa de ser irónica, já que, recorde-se, o Governo decretou em Setembro de 2012 a extinção da FCP na sequência do relatório de avaliação das fundações, decisão que a administração contestou, tendo conseguido que o executivo recuasse. E não é, de facto, o modelo de gestão propriamente dito que agora inspira reservas a Real – a fundação, diz, “é perfeitamente sustentável desde que o orçamento mínimo atribuído lhe seja entregue” –, mas antes os cortes cegos impostos por lei a todas as fundações apoiadas pelo Estado. “Esta fundação foi criada já por este Governo, e com um orçamento de crise, sem desperdícios que possam ser cortados”, argumenta.

Já José Ribeiro acha que “o modelo da fundação é muito pesado e nunca funcionou” e defende que tem de se encontrar “uma solução diferente e definitiva”. Como está, diz, “não há hipótese de isto funcionar”. E adianta que “cabe ao conselho de ministros, que decretou a extinção da fundação e depois recuou, encontrar uma alternativa”.

Gustavo Duarte entende que a solução formal é secundária: “Se é uma fundação, se fica na Direcção-Geral do Património, ou na Direcção Regional de Cultura do Norte, ou se é a Câmara a gerir, o que é preciso é encontrar uma solução estável e que funcione para este património, que é uma âncora para o desenvolvimento desta região”.

Neste momento, os fundadores devem à FCP cerca de 857 mil euros, garante o seu presidente, e esta, por sua vez, deve 203 mil euros a fornecedores, contabilizada apenas a dívida acumulada até ao final de 2013. “Como a fundação era para ser extinta, os fundadores não transferiram o dinheiro”, diz Real. “E quando o governo decide que a fundação, afinal, é para continuar, já tinha gasto o dinheiro e nós ficámos com a criança no colo”. 

A assembleia de fundadores reuniu-se em Novembro para aprovar o orçamento de 2014, mas “não houve condições materiais para o aprovar”, explica Real. “Com a redução orçamental de 50 por cento imposta à fundação em 2013, a incidir sobre um total que em 2012 já sofrera um corte de 30 por cento, é a completa asfixia financeira”, constata o presidente.

Mas mesmo para lá destes cortes, “todos os fundadores estão em dívida”, garante. Ou seja, as secretarias de Estado da Cultura, do Ambiente e do Turismo, e também, embora “num valor mais residual”, diz Real, a autarquia e a Associação de Municípios do Vale do Côa.

Uma situação que tem impedido a FCP de pagar “despesas básicas de funcionamento, como água, electricidade, limpeza, ou segurança”, diz Real, precisando que “há já um atraso de cinco meses nos pagamentos à empresa de vigilância”. A segurança é, reconhece, “uma factura muito pesada”. A previsão orçamental para 2013 adjudicava-lhe 346.184 euros, mais de metade da verba a gastar com fornecedores e serviços externos, e mais de um quarto do orçamento total da FCP.

Desde que se criou a fundação, o número de visitantes tem também vindo a cair. De 2012 para 2013, terão baixado de 30 mil para 28 mil, segundo Real. Mas se as entradas no museu não diminuíram muito, os números relativos ao parque arqueológico (PAVC) são bastante piores. O director do parque, António Martinho Baptista, diz que em 2013 se fizeram pouco mais de 7 mil visitas – já contando com os visitantes levados por concessionários privados –, quando houve anos em que chegaram a rondar as 20 mil.   

Instituto é uma opção

Fernando Real explica que tem “dialogado quase diariamente com a tutela” e que a administração preparou “um memorando para o secretário de Estado da Cultura com todos os indicadores de gestão”, propondo ainda “aquilo que seria o mínimo dos mínimos para a fundação poder funcionar”, verba que não quis adiantar. “Estamos numa fase de diálogo e acredito que o bom-senso vai prevalecer”, diz o presidente, que prevê reunir-se com o secretário de Estado da Cultura na próxima semana.

Antes disso, já amanhã, Barreto Xavier receberá os trabalhadores da Fundação Côa Parque (FCP), que alegam atrasos no pagamento dos seus vencimentos. Mas a despesa com salários até parece ser uma das poucas que tem sido garantida, graças às transferências regulares da Direcção-Geral do Património Cultural. Gustavo Duarte garante que “só houve um atraso de uma semana no pagamento de um subsídio”, e que não se pode falar de salários em atraso só porque estes são pagos “um ou dois dias depois do dia 23”, data habitual na função pública.

O que não quer dizer que os 38 funcionários da FCP não tenham bons motivos para se preocupar, já que só quando se perceber quanto é que o Governo está disposto a transferir anualmente para a gestão do património do Côa é que se poderá avaliar a dimensão e natureza dos cortes que a fundação, ou outra qualquer estrutura que lhe venha a suceder, terá de fazer. 

Real defende que qualquer que seja a solução encontrada, esta deve assegurar “um modelo de gestão de proximidade e com autonomia financeira devidamente controlada, já que se trata de dinheiros públicos, mas com garantias de autonomia funcional a gente que saiba do que está a tratar”. E “como estamos em tempo de crise”, sugere que o Estado suporte “o funcionamento básico” e que “o crescimento seja feito com “receitas próprias”.

A solução que lhe parece mais desejável é “o modelo de instituto público”, que teria a vantagem de assegurar uma “dependência directa do Orçamento de Estado”. O PÚBLICO tentou saber junto da SEC se o Governo admitia alterar o modelo de gestão, mas o gabinete de Barreto Xavier diz apenas que se trata de “uma situação complexa que está a ser devidamente analisada pelas respectivas tutelas de forma a que se possa chegar à melhor solução para todas as partes envolvidas”.

Dissonâncias internas

Se todos os administradores se mostram dispostos a deixar cair o modelo da fundação, e se também todos se mostram confiantes de que o Governo encontrará alguma solução que não ponha em risco o património arqueológico do Côa e a sobrevivência do museu e do parque, é menos claro que, nas conversações com a tutela, a actual administração constitua uma frente unida e prossiga uma estratégia comum.

Ainda que nenhum dos administradores ouvidos pelo PÚBLICO assuma abertamente quaisquer divergências de fundo, é difícil não pressentir uma crítica à direcção de Real quando José Ribeiro lamenta, por exemplo, a fraca execução dos projectos da fundação integrados no Provere do Côa, candidatos a cerca de um milhão de euros, afirmando que o facto de os fundos europeus “implicarem uma contrapartida nacional”, não deveria impedir a FCP de ter “uma gestão mais corajosa” e de “arriscar mais”.

E embora Ribeiro não assuma a preferência por nenhum modelo de gestão, não parece estar a pensar, como Real, num instituto público quando observa que o Côa “é uma região desertificada, mas com muitas capacidades endógenas, onde há gente para gerir este património, e com muita vontade”. Ou quando lembra que o santuário rupestre do Côa “deve ser defendido enquanto património da humanidade, mas também por ser uma âncora para o desenvolvimento da região, como dizem todos os estudos económicos”.

E se também Gustavo Duarte não diz que solução concreta gostaria de ver o Governo adoptar, a verdade é que inclui a própria autarquia entre as instituições que teoricamente poderiam ser chamadas a gerir este património e estes equipamentos.

 


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