Mais da DGArtes: cacos que não colam

A rápida saída do anúncio do Concurso aos Projectos Anuais não cola cacos, antes os varre para debaixo do tapete.

A rápida saída do anúncio do Concurso aos Projectos Anuais (a resposta é que não se sabe se também vai atrasar dois meses em relação à data prevista, como aconteceu com os Apoios Sustentados, sem uma carta de boa educação sequer a dar nota disso e do porquê por parte da DGArtes) não cola cacos, antes os varre para debaixo do tapete, que importa desde já pôr à mostra. Antes ainda dos resultados.

  1. O próprio anúncio sai atrasado. Se é para 2023, para os concorrentes se organizarem, deveriam ser ainda em 2022, não? Ou, como é de prever, não se concluirão antes dos Idos de Março.
  2. Teoricamente – e conforme os mesmos auto-estipulam – são destinados a grupos mais jovens.
  3. Mas aqui pergunta-se: então, sendo-o porque são para uma única produção? Então grupos (um exemplo entre muitos), mais jovens ou não, mas que tenham por natureza, por exemplo, serem itinerantes e não terem sala própria (condição para os sustentados – e bem) não têm o direito (e mal) de ter um projecto anual, quiçá com mais do que uma produção e concorrerem para um ano inteiro?
  4. Sendo para os mais jovens, porque os usou, em alusão indirecta, o Ministro da Cultura como forma de insinuar que esses financiamentos poderiam atenuar os que ficaram de fora nos sustentados?
  5. Está a própria tutela a promover o desvio da finalidade que ela estabelece para este concurso que abre agora?
  6. E, então, assim sendo, vai ‘tapar’ o caminho, descapitalizando a dotação orçamental virada para outros fins, aos destinatários a quem se dirige?
  7. E se não vai, então porque fazer alusão a eles como panaceia de minimização do impacto para os excluídos dos sustentados, não por não serem considerados aptos pelo júri, mas porque acabou o dinheiro?
  8. E, já agora, se acabou o dinheiro é porque foi alguma coisa mal calculada, nem que tenha sido o número de concorrentes: prova confirmada de desconhecimento do sector.
  9. Esta situação, intencionalmente ou não, poder pôr, uma vez mais, grupos contra grupos, à semelhança do movimento divisionista, que partiu de uma contestação justa (o não-reforço de verba para os bi-anuais) para propor uma solução tão disparatada como a do Ministro: mais dinheiro (só) para os bi-anuais em vez do são princípio, abrangente de elegível = financiado, por exemplo?

Tudo isto encobre – melhor: põe à mostra – como este modelo não serve, nem tem lógica todos se sujeitarem a concursos com tudo metido na mesma ‘saca de gatos’, como já se disse: a ideia de que o apoio às Artes pelo Estado não é decorrente de um programa estratégico para responder às obrigações constitucionais do artigo 73.º da nossa Lei Magna, ‘é o que é’ com esta ideia e este modelo de concursos: trata-se de uma competição (até arrepia dizê-lo em Arte) para quem chega à frente. Com uma diferença em relação ao Desporto. É que não parte do princípio (mesmo que aqui e além possa haver viciação de resultados) de que quem ganha é o que corta a meta em primeiro lugar ou mete mais golos. Nesta competição não são os primeiros a cortar a meta ou os que metem mais golos, são aqueles que o “árbitro” decide, apreciando a maneira como correram ou jogaram (e também aí há viciação de resultados, mesmo que sem propósito doloso, mas por subjectividade e desconhecimento da parte maior do pelotão que parte no início ou do nome dos jogadores).

Mas se sou eu que estou enganado (ou outros, poderes fácticos, que andam a enganar o Ministro), a Pedro Adão e Silva, nesta ‘altura do campeonato’, é tal o imbróglio, que, quer no concurso dos Apoios Sustentados, quer agora neste que abre, para ao menos tapar os buracos de uma obra de alicerces mal calculados, só lhe resta realojar tudo no princípio citado: elegível = financiado, até porque dinheiro não falta, diz o próprio governo; e o mísero orçamento para a cultura, não se esgotou todo em 2022. E partir, ponderadamente e sem preconceitos, para a análise disto tudo (e este “isto” é a repetição de vários anos de um modelo estafado e de muito pouca virtude: dos processos de avaliação às folhinhas excel em que se preenchem às candidaturas). Se nem foi ele que o inventou, mas herdou, porque se agarra à única coisa que em política nunca se faz: dizer como definitivo (ao caso a ideia de concurso) o que a realidade e a correlação de forças pode mudar, tal como na própria Física? Uma ponte que não seja capaz de ter aquele mínimo de oscilação para aguentar a correlação de forças com os movimentos tectónicos, quebra e cai, mais cedo ou mais tarde. Senão no primeiro, no segundo abanão a sério. E as réplicas deste ainda estão para vir, quanto mais outros que já se desenham noutros sectores?

Repito que tenho Pedro Adão e Silva por um homem esclarecido, inteligente e culto, o que, no entanto, não o põe a salvo da crítica, por mais violenta que o tenha de ser. Era, sinceramente pena, que fosse por teimosia, coisa imprópria do esclarecimento, da cultura e da inteligência, que ele perdesse o fio de Ariadne.

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