Primeira fase da venda do Novo Banco acabou nesta quarta-feira e conta com cinco interessados

Processo vai demorar vários meses e muitos dos que agora se posicionaram para comprar o Novo Banco podem acabar por deixar cair a intenção.

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Fitch acredita que testes de stress devem “esclarecer algumas questões sobre a posição de solvência do Novo Banco” Enric Vives Rubio

Terminou nesta quarta-feira o prazo para os interessados em analisar o dossier Novo Banco notificarem o Fundo de Resolução, que passará então a dispor da lista dos potenciais compradores da instituição que juntou os activos não tóxicos do BES. A entrega de ofertas vinculativas está dependente da análise das contas do Novo Banco que, cinco meses depois de ter sido constituído, ainda não foram divulgadas (existe apenas o balanço zero, à data de 4 de Agosto).

Até à hora de publicação desta notícia apenas o BPI, o Santander, o Banco Popular e os fundos de private equity chinês Fosun (que adquiriu a Fidelidade e a ES Saúde) e norte-americano Apollo Global (que viu recentemente suspensa a compra da Tranquilidade), apareceram publicamente a revelar disponibilidade para estudar uma proposta de aquisição do Novo Banco. É, contudo, expectável que até às 17h desta quarta-feira, a data limite para o Banco de Portugal (BdP), que gere o Fundo de Resolução, ser notificado, possam surgir novas demonstrações de interesse de fundos e de outros bancos. É que, nesta fase preliminar, não há custos para os intervenientes.

A partir desta quarta-feira, o francês BNP Paribas, que está a assessorar o Fundo de Resolução, vai dispor de um dado relevante: o nome das sociedades que pretendem receber informação preferencial sobre a instituição presidida por Eduardo Stock da Cunha. 

De qualquer forma, não é provável que o BPI, o Santander, o Banco Popular, a Fosun ou a Apollo, ou outros, mostrem uma vontade séria de olhar para o dossier antes do Novo Banco revelar as suas contas. Depois de o BdP ter avançado que a divulgação se faria ainda em Setembro, as contas continuam por fechar, o que deverá verificar-se até ao final do primeiro trimestre do próximo ano. E esse será um momento chave da operação. Só então se saberá o que é o Novo Banco (qual o seu perímetro de acção) e quanto vale realmente. No início de Dezembro, Stock da Cunha assegurou que recuperou, em dois meses, 2000 milhões de euros de depósitos, quando entre Junho e Agosto foram levantados cerca de 10.000 milhões de euros.

Ofertas definitivas só na terceira fase
Com o fecho de contas do Novo Banco, arrancará a etapa seguinte do processo de venda, com as linhas gerais do negócio a serem disponibilizadas aos potenciais investidores. A análise poderá traduzir-se na chegada ao BNP Paribas de propostas de compra, mas que não comprometem os seus autores.

De acordo com o calendário, só na terceira fase é que haverá lugar a ofertas definitivas e vinculativas que terão de respeitar os trâmites europeus. Caberá ao Fundo de Resolução a decisão final, mas o BCE e Bruxelas terão sempre uma palavra forte sobre a entidade que ganhar uma fatia substancial do mercado bancário português (o BES tinha em 2013 uma quota de 18%). 

A comunicação social madrilena tem dado, nos últimos dias, sinais redobrados de atenção ao negócio com declarações de que as autoridades portuguesas têm preferência por um investidor espanhol. O jornal Cinco Días noticiou que o Santander (ao qual Stock da Cunha esteve ligado até 2013) é o favorito para assumir o Novo Banco. Por seu turno, o El Confidencial mencionou o papel do La Caixa, com 44% do BPI, e lançou na corrida mais dois bancos espanhóis: o BBVA (que tem estado a fechar balcões e a despedir trabalhadores em Portugal) e o Sabadel (este accionista com 5% do BCP). Até esta terça-feira nenhum destes dois concretizou publicamente o seu interesse.

Tanto o Governo como o Banco de Portugal já defenderam uma venda por leilão competitivo onde tenderá a prevalecer o encaixe financeiro. O objectivo é recuperar os 4900 milhões de euros aplicados no Novo Banco pelo Estado e pelo sistema financeiro através do Fundo de Resolução (dos quais 3900 milhões são um empréstimo do Estado).

O resultado do concurso acabará por influenciar a avaliação final que vier a ser feita da acção do BdP e do Governo no caso BES que a 3 de Agosto colapsou com prejuízos semestrais de 3600 milhões de euros. Se o valor da alienação coincidir com o que foi injectado, as autoridades podem falar em sucesso. Caso seja apurada uma pequena perda esta será acomodável pelos bancos participantes do Fundo. Mas se o encaixe ficar muito abaixo dos 4900 milhões, então, as autoridades terão de assumir a derrota em toda a linha: não evitaram a falência do BES e o modelo de resolução gerou prejuízos.

Diferentes interesses
No actual contexto (de baixo crescimento económico e com imposição de perdas totais aos accionistas da banca em caso de falências) o negócio financeiro não é atractivo. Porém, o que vai determinar o que cada um dos concorrentes à compra do Novo Banco está disposto a pagar, são as lógicas particulares dos candidatos onde predominam diferentes racionalidades.

Os presidentes do BPI, Fernando Ulrich, e o da filial do Santander, o Santander Totta, António Vieira Monteiro, argumentaram que têm a obrigação de olhar para “a oportunidade” pois já competem no mercado. E por não estarem sujeitos aos constrangimentos impostos pela ajuda da troika (como o BCP e a CGD) podem ambicionar crescer por aquisições, para obter sinergias e gerar rentabilidade num mercado estagnado. O aumento de capacidade, em princípio, ajuda à tomada do risco e facilita a concessão de crédito à economia real, mas impõe ao BPI e ao Santander Totta a redução do seu quadro de trabalhadores e a partilha de activos para manter o sector competitivo. Num banco espanhol prevalece também o sentido do preenchimento de um território que considera o seu.

Por seu turno, há fundos de investimento com espaço para subir a sua oferta, o que compensam retalhando a instituição para rentabilizar o que pagaram. A cartada de um fundo não europeu pode ser a de meter o pé na União Bancária, passando a ser supervisionado directamente pelo BCE, o que gera credibilidade. Se a proposta partir de uma entidade sem actividade em Portugal, há menor pressão para reduzir efectivos e fechar agências. Mas muitos dos fundos de private equity, por não serem cotados, têm um nível elevado de opacidade não facultando mesmo ao mercado as suas contas (como é o caso da Fosun). 

O processo de venda do Novo Banco é complexo e tenderá a prolongar-se por vários meses e na pior das hipóteses a conclusão será conhecida no decurso de 2016. Até lá, é provável que alguns investidores que agora se posicionaram para participar na operação acabem a rever a intenção. Neste momento são muitas as incógnitas à volta da instituição, como as litigâncias em curso, a perda de valor, as deficiências de capital e as insuficiências financeiras.

Venda da Tranquilidade suspensa
Na semana passada o Tribunal da Relação mandou suspender a venda de 100% da Tranquilidade à Apollo, e, nesta terça-feira, o Novo Banco confirmou a acção judicial, após uma providência cautelar “requerida pela CSCP II Acquisition Luxco” e pela “CCP Credit Acquisition Holdings Luxco”. A decisão que visa anular o negócio foi tomada “sem audição prévia do Novo Banco”, diz a instituição. O negócio devia estar concluído até ao final de hoje, e constitui um revés para o Novo Banco, que já se articulou com a Apollo para prorrogar o prazo sem data limite, medida que o ISP já autorizou. O regulador exige uma solução que permita à seguradora encerrar 2014 com os rácios de capital nos mínimos exigidos.

O acordo inicial previa que a Apollo pagasse 215 milhões de euros, dos quais 150 milhões se destinavam a capitalizar a Tranquilidade, registada na ESFG (Espírito Santo Financial Group) pelo valor contabilístico de 515,4 milhões de euros. A Tranquilidade foi dada como colateral por conta da garantia de 700 milhões de euros concedida pela ESFG para o BES saldar os seus compromissos com o papel comercial da ESI (Espírito Santo International) e da Rioforte que vendeu aos seus clientes do retalho. O penhor passou para o Novo Banco e cumpria-se no acto de compra da seguradora pela Apollo.

A perturbar uma solução accionista para o Novo Banco estão os cerca de 20 processos judiciais metidos contra a instituição, os supervisores (BdP e CMVM) e o Governo por investidores, nomeadamente os detentores de dívida subordinada do BES. Com a intervenção do Fundo de Resolução, este grupo (com os accionistas) perdeu as suas aplicações e contesta a divisão do BES em dois. No modelo de venda do Novo Banco o comprador vai exigir a blindagem com litigâncias em curso ou que venham a aparecer. 

Na sexta-feira passada a Goldman Sachs anunciou que vai impugnar a decisão do BdP de retirar do balanço do Novo Banco a dívida sénior do BES que estava reunida nas obrigações Oak Finance Luxembourg, o que teve um impacto positivo de 548,3 milhões de euros nas reservas da instituição liderada por Stock da Cunha.

A transferência desta responsabilidade do Novo Banco para o BES, que não a pode saldar, foi comunicada pelo supervisor ao grupo anglo-saxónico (onde está o social-democrata José Luís Arnaut, do grupo de Durão Barroso) na véspera do pagamento do cupão. Por se tratar de uma alteração de um compromisso assumido pelo BdP por escrito (a Goldman alega que foi notificada por escrito de que a dívida seria paga pelo Novo Banco) é susceptível de ser questionada judicialmente. No entanto, a opção do BdP resulta de um direito de discricionariedade consignado no Fundo de Resolução que tem poder para deslocar a qualquer momento activos do Novo Banco para o BES. A Goldman Sachs era accionista de referência do BES, ao representar 2% do capital, e a Oak Finance Luxembourg foi um veículo financeiro montado a pedido do banco ainda liderado por Ricardo Salgado.

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