Uma verdade inconveniente

À conta desta prosa, os blogues cinéfilos vão encontrar mais umas quantas razões para resmungar que os "críticos" (coisa que, em rigor, não existe enquanto classe; existem apenas pessoas que têm opiniões diferentes e as exprimem de maneiras diferentes...) têm de arranjar razões para "dizerem mal" de um bom filme.

A verdade, no entanto, é significativamente mais prosaica: depois de baterem o recorde da série de maior longevidade no horário nobre das televisões americanas (18 anos), os Simpsons entram na "idadeadulta" saltando para o grande écrã com um bom filme... que não traz nada de novo. É um caso raríssimo de respeito absoluto pelas regras do"franchise", de filme que não só não desilude como satisfaz os fãs que estavam à espera exactamente"disto": um episódio mais longo com a mesma animação imperfeita e tradicional, que mantém absolutamente intactos o humor verrinoso e a sátira ácida aos alvos do costume na sociedade americana contemporânea. Na mira continuam a estupidez militante, a incultura orgulhosa, a incompetência e odesinteresse dos políticos, a tendência dedo-no-gatilho, o egoísmo mascarado por uma falsa piedade ouum falso altruísmo, o consumismo desenfreado, aos quais se juntam aqui o fundamentalismo religioso e oambientalismo interesseiro.

Todos eles abatidos um a um numa série de gagues sistematicamente inspirados e divertidos, montados àvolta da habitual azelhice do irresponsável Homer, adolescente que nunca cresceu e cujo amor cego pelos donuts leva a uma catástrofe ecológica que corre o risco de eliminar Springfield do mapa.

Nem sequer a própria passagem da série ao cinema é poupada (devem-se-lhe, aliás, três ou quatro dos melhores gagues do filme - vale muito a pena ficar sentado durante o genérico final, a propósito),mantendo intacta a reputação subversiva da criação de Matt Groening.

Mas a verdade é que todos os elogios que atrás ficaram escritos não invalidam que esta (primeira?)longa-metragem dos Simpsons deixe um travo a pouco: sim, há uma extrema fidelidade às premissas e aohumor da série, sim, há gagues muitíssimo divertidos, sim, ninguém vai sair defraudado da sala. E daí? Não se deseja sempre um pouco mais do que "cumprir as expectativas", sem as ultrapassar?

"Os Simpsons" é um bom filme, muito divertido, mas, para lá da duração mais longa e do écrã panorâmico, não traz nenhuma mais-valia ao que já conhecemos datelevisão - é apenas um episódio mais longo, que contentará os fãs sem conquistar novos públicos. Éverdade que longe vão os tempos em que a série era um acontecimento televisivo subversivo (ao fim de 18anos, nem podia ser de outra maneira) e apenas se deve tirar o chapéu à equipa de Matt Groeningpor ter conseguido manter o nível durante tanto tempo. E se calhar é um tudo nada perverso esperar que o filme relançasse a série para um novo pico de criatividade.

"Os Simpsons", filme, não é pior do que "Os Simpsons", série, e isso é bom (e, se calhar, até já ultrapassará algumas expectativas...). Mas seria tão bom poder dizer que "Os Simpsons", filme, é tão magnífico como a série foi há 18 anos. Não o poder dizer, afinal, é bom ou mau?

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