“Há uma diferença entre opinião e sentença jurídica”, diz Barreto Xavier sobre colecção Miró

Secretário de Estado da Cultura esteve no Parlamento para falar sobre a colecção Miró. Sem novidade, reiterou que as obras não são uma prioridade e anunciou que quer alterar a Lei de Bases, não cumprida neste processo. PS pediu uma visita ao depósito das obras.

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Jorge Barreto Xavier Miguel Manso

O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, voltou a reforçar que “as prioridades do Estado não passam pela aquisição” das 85 obras de Joan Miró, assim como disse que uma exposição ao público antes de o novo leilão acontecer, marcado para Junho, “não é viável”. Barreto Xavier defendeu ainda na Comissão de Ciência, Educação e Cultura que não cometeu “nenhuma ilegalidade” no processo de expedição e venda das obras, destacando que “há uma diferença entre opinião e sentença jurídica”, embora o tribunal tenha declarado que as obras saíram de forma ilegal.

Barreto Xavier - que não se afastou daquilo que tem defendido desde que o leilão foi cancelado pela Christie’s que não quis manter a venda por não sentir que estavam reunidas todas as condições de segurança - revelou, no entanto, ter dado indicações à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para se poder alterar a Lei de Bases do Património Cultural, no sentido de se criar “uma maior facilidade operativa no que diz respeito à matéria da inventariação, da classificação, da expedição”.

O secretário de Estado defendeu que a legislação actualmente em vigor não protege o património móvel, mas apenas o imóvel e o imaterial. Mas no que a esta alteração diz respeito, Barreto Xavier não adiantou mais informação, escusando-se também a responder aos jornalistas no fim. Segundo o que o gabinete de Barreto Xavier esclareceu depois ao PÚBLICO, o foi pedido à DGPC foi a "necessidade de se criar um diploma de desenvolvimento da Lei de Bases do Património de 2001 para a área do Património Móvel, sendo que já existem diplomas de desenvolvimento nas áreas do património imóvel e imaterial".

Barreto Xavier adiantou ainda que pediu à Parvalorem uma lista de todas as obras na sua posse. Sabe-se que, além destas 85 obras de Joan Miró, estão na posse da Parvalorem outras obras de arte de artistas como Paula Rego, Vieira da Silva ou Júlio Pomar. Antes ainda de o leilão ter sido cancelado, Francisco Nogueira Leite, presidente da Paravalorem e da Parups, já tinha dito ao PÚBLICO que a inventariação destas obras estava a ser feita para que também estas sejam vendidas.

O secretário de Estado, que foi esta manhã ouvido na Assembleia da República por requerimento do PS para prestar esclarecimentos sobre o processo que envolveu a saída do país da colecção Miró em Janeiro, destacou que o Tribunal não impediu a venda em leilão, que deveria ter acontecido na Christie’s, em Londres, nos dias 4 e 5 de Fevereiro. E as irregularidades detectadas pelo mesmo, que inclusive apontam um despacho ilegal de Barreto Xavier, “são um comentário”. “Em relação às questões procedimentais, há uma sentença que foi proferida pelo tribunal e essa sentença diz respeito a um assunto em particular”, disse, defendendo que a sentença apenas faz um “comentário lateral” ao apontar as ilegalidades, isto é, a saída das obras sem autorização. “Não houve ilegalidade nenhuma e sempre que for necessário responderei em sede própria”, disse Barreto Xavier, destacando ainda, como já tinha defendido anteriormente, que, quando alertado pela DGPC para a saída ilegal da obras, iniciou um procedimento contra-ordenacional contra a Parvalorem e a Parups (sociedades criadas no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e por isso proprietárias legais das obras).

“Quando a DGPC se apercebeu da saída das obras sem autorização, o que fez um membro do Governo? Compete ao Estado proteger a lei, coisa que fiz”, disse Barreto Xavier, admitindo que “as obras não podiam ter saído daquela maneira”. E, por isso, as empresas terão de responder, incorrendo numa multa, segundo o secretário de Estado, entre os 100 mil e os 500 mil euros.

Numa audição com muitas trocas de palavras e acusações, com Barreto Xavier a lembrar por várias vezes que a deputada socialista Gabriela Canavilhas nada fez em relação a estas obras quando ainda era ministra, ficaram por responder as perguntas que há muito têm sido feitas: Quando é que saíram as obras? Como é que saíram? Quem autorizou?

O secretário de Estado da Cultura não respondeu a nenhuma destas questões e, quando a deputada do PS Inês de Medeiros lhe perguntou como é que as obras entraram em território britânico, a resposta de Barreto Xavier foi que esta teria de perguntar às autoridades britânicas. “Não sou polícia no Reino Unido, o que me diz respeito a mim é saber se a expedição foi lícita e sobre isso concluímos que não e agimos em conformidade.”

Repetindo o que já tinha defendido anteriormente, e partilhando as mesmas palavras de Francisco Nogueira Leite, Barreto Xavier explicou que a manter as obras em Portugal não é uma prioridade para o Governo e que o dinheiro que se vai arrecadar com a venda (estimado em 35 milhões de euros) são essenciais para abater na dívida do BPN. Se se quisesse ficar com estas obras, o Governo teria de as comprar, o que para Barreto Xavier não faz sentido.

Questionado sobre o que faria em termos abstractos se por acaso tivesse esse dinheiro, o secretário de Estado manteve a ideia de que adquirir as obras não faz parte dos seus interesses. “Desde o início que disse que não era uma prioridade por razões óbvias, temos limitações grandes ao nível da despesa”, defendeu, admitindo, porém, que “em algumas destas obras de arte" teria interesse. “Em abstracto podemos pensar nisso, no concreto há outras prioridades”, continuou, explicando que existem “falhas significativas nos museus” e “não é dos Mirós que eles precisam em primeiro lugar”. “Com meios mais limitados temos reproduzido um serviço de cultura que é reconhecido”, destacou, mencionando ainda o alargamento do Museu do Chiado, em Lisboa.

Argumentos que não convenceram a oposição, com Inês de Medeiros e Miguel Tiago, do PCP, a criticarem a falta de interesse por parte do Governo ao longo de todo este processo, que se tem limitado a atirar as responsabilidades para a leiloeira, que seria a responsável por todo o processo que implica o leilão das obras. Por isso também, os dois deputados, em momentos diferentes, pediram ao secretário de Estado que desse a conhecer o contrato “chave na mão” celebrado entre a Parvalorem, a Parups e a Christie’s. Um pedido que ficou sem resposta.

Fazer uma exposição com estas obras, antes de serem vendidas em Junho, também não é uma hipótese em cima da mesa. Barreto Xavier explicou que “não é viável” que estas sejam expostas, destacando que a Parvalorem, em acordo com a leiloeira, quer pôr as obras em circulação internacional antes do leilão. Também aqui, o secretário de Estado não deu mais esclarecimentos.

Entretanto, o PS deu entrada com um requerimento que pede “a realização de uma visita ao local de depósito das 85 obras de Joan Miró por parte dos deputados integrantes da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, de forma a conhecer este espólio e avaliar as reais consequências da sua alienação para o património cultural português”.

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