Invasão do aeroporto de Lisboa para "fugir a espíritos" vale cadeia a holandês

Gima Calunga foi sentenciado a três anos e meio pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas já cumpriu dois anos e oito meses de prisão preventiva.

Foto
O arguido tinha sido encontrado agarrado a um trem de aterragem de um avião prestes a descolar para Luanda. Manuel Roberto / Publico

O holandês nascido em Angola que invadiu em 2014 a pista do aeroporto de Lisboa, munido de uma faca de cozinha, viu o Tribunal da Relação de Lisboa confirmar parte da sentença que o condenou pelo crime de atentado à segurança de transporte aéreo. Gima Calunga foi sentenciado a três anos e meio de prisão, noticiou o Expresso e confirmou o PÚBLICO junto do seu advogado, Bruno Gomes — menos um ano do que tinham decidido os juízes de primeira instância.

O arguido está em prisão preventiva há já dois anos e oito meses — tempo que será agora descontado da pena a cumprir — depois de ter sido encontrado agarrado ao trem de aterragem de um avião prestes a descolar para Luanda. Admite ter estado na Síria, mas não para se juntar ao autoproclamado Estado Islâmico, como dizia a acusação do Ministério Público, e sim para ajudar refugiados. Porém, alega nunca os encontrou. Quando percebeu que numa das casas que visitou naquele país havia “homens sexuais”, resolveu regressar à Holanda — até porque essa era também a vontade dos homens armados com quem passou a sua estadia na Síria, explicou em tribunal.

Sempre justificou o facto de se ter introduzido num local vedado ao público, a pista do aeroporto, com a necessidade de fugir a “espíritos” que o “perseguiam”. Bruno Gomes explica que o Tribunal da Relação revogou a condenação da primeira instância no que à detenção de arma proibida diz respeito, uma vez que se tratava de uma faca com fins culinários.

Já no que concerne ao crime de terrorismo, o holandês havia sido ilibado destas suspeitas logo no primeiro julgamento, apesar das desconfianças do Ministério Público. Essas dúvidas são bem patentes no recurso que apresentou da sentença inicial, onde defende que devia ter ficado provado em tribunal que Gima Calunga se ofereceu como voluntário para integrar "fileiras de grupos radicais reconhecidos internacionalmente como ligados a actividades terroristas que prosseguem a luta armada para derrubar o governo sírio", tendo ainda "sido recebido por elementos de um grupo radical designado por Isis".

Segundo esta tese, o arguido teve duas semanas de treino militar em campos jihadistas e foi-lhe confiada a missão realizar um ataque terrorista ao aeroporto de Lisboa. Porém, se esta teoria não convenceu os juízes, também a da ida à Síria por questões humanitárias não lhes mereceu credibilidade. Um diário apreendido a Gima Calunga fala em "duas semanas de treino" na Síria. Foi para se poder gabar aos amigos, justificou em tribunal. Na realidade, e segundo a sentença de primeira instância, o mais provável é ter estado com civis armados que tentavam defender as suas casas e aldeias de ataques militares. 

Perante as justificações ligadas ao universo do sobrenatural, apurar a sanidade mental do suspeito foi uma das tarefas a que se propôs a justiça portuguesa. Até porque no ano em que invadiu o aeroporto lhe tinham sido encontradas, na casa onde morava na Holanda, garrafas contendo vinagre, benzina e lixívia. Seriam explosivos? Não: questionado pelas autoridades, respondeu ser praticante de vodu e guardar o ar de pessoas nas garrafas. Os juízes encontram uma explicação bem mais prosaica para o sucedido: teria o chamado vício do snifador, habituara-se a inalar substâncias químicas. 

Apesar de tudo, as peritagens psiquiátricas concluíram que o holandês não padecia de qualquer doença deste foro e que tinha as suas capacidades cognitivas intactas. 

Sugerir correcção
Comentar