Demissões e acusações de censura agitam Instituto de Medicina Legal

Dois dos três directores regionais bateram com a porta. Presidente acusado de censura diz que “paz podre” terminou

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Sérgio Azenha/Arquivo

Cinco demissões, duas delas dos principais responsáveis pelas delegações do Norte e do Sul do país e as restantes de chefias intermédias, estão a agitar o Instituto de Medicina Legal. A Ordem dos Médicos diz que na origem do sucedido está o facto de a direcção deste organismo querer exercer censura sobre os dirigentes em causa, mas o presidente do instituto, o juiz Brízida Martins, assegura que as divergências dos directores regionais em relação às linhas orientadoras do instituto vinham de trás e que com o seu abandono do cargo termina a “paz podre” que se fazia sentir.

 O conselho regional do Norte da Ordem dos Médicos considera “intolerável e inaceitável” que Brízida Martins tenha “proibido” vários profissionais de apresentar as suas comunicações em dois congressos que se estão a realizar simultaneamente este fim-de-semana no Porto, o Congresso Hispano-Luso de Avaliação do Dano Corporal e o Congresso Ibérico de Medicina Legal, alegadamente por causa do conteúdo das suas comunicações. Já o magistrado invoca o dever de sigilo e reserva a que estão obrigados estes médicos, que realizam frequentemente perícias para processos que se encontram em tribunal e abrangidos pelo segredo de justiça, para justificar a sua decisão. Mas salienta que também houve profissionais a quem o Instituto de Medicina Legal permitiu participarem nos trabalhos, como moderadores.

Para o presidente do conselho regional da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a situação configura “censura intelectual no domínio científico e limitação da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais consagrados legalmente”. A Ordem já pediu explicações quer a Brízida Martins quer à ministra da Justiça, à qual o Instituto de Medicina Legal reporta. "Ainda não se conhece até que ponto esta proibição de participação se estende a todos os congressos e seminários ou apenas a alguns em particular", referem em comunicado os representantes dos médicos. O facto de os congressos que estão a decorrer no Porto reunirem "alguns dos melhores especialistas portugueses e espanhóis da Medicina Legal" é, para Miguel Guimarães, particularmente prejudicial para a reputação do instituto, uma vez que o assunto acabou por se tornar conhecido de parte significativa dos participantes.

Antecessor de Brizida Martins no cargo de principal dirigente e organizador destes congressos, Duarte Nuno Vieira recusa-se a alongar-se em comentários, mas admite que teve de fazer algumas alterações ao programa inicial, por ter havido médicos “proibidos de falar”. E diz que não se lembra, nos 16 anos que esteve em cargos de chefia no Instituto de Medicina Legal, de alguma vez ter sucedido algo assim. Assim, nega um dos argumentos do seu sucessor: que este tipo de restrições já existiam no anterior mandato, quando este organismo era dirigido por ele. "É falso. Nunca proibi ninguém de falar em lugar nenhum", assegura Duarte Nuno Vieira.

Já o juiz Brízida Martins repudia as acusações de censura e invoca várias disposições legais para defender que determinados temas são da "competência exclusiva do Instituto Nacional de Medicina Legal". Mostrando-se surpreendido com o "alarido despropositado" criado em torno desta questão, o magistrado diz-se confiante de que o instituto sairá reforçado desta crise, e elogia mesmo a "hombridade" dos directores que resolveram "assumir as suas discordâncias"  e renunciar às suas funções. Os dois dirigentes demissionários eram ainda vogais do conselho directivo liderado por Brízida Martins.

 A vergonha de um médico que preferiu ficar calado
Um dos especialistas em Medicina Legal que recebeu uma carta do presidente do instituto a proibi-lo de falar nos congressos do Porto resignou-se e desistiu de ser orador, para não arranjar problemas. O médico em causa explicou aos organizadores destes eventos que considerava a ordem que recebeu ilegal, por atingir a sua liberdade de expressão enquanto cidadão e enquanto cientista.

“Ainda assim, e por opção pessoal, a qual muito me magoa e quase ‘envergonha’, decidi que enquanto tiver de permanecer ao serviço do Instituto de Medicina Legal prefiro não me envolver em conflitos que prejudicariam a minha capacidade de trabalho e a minha saúde”, alega. “Na tentativa de os tentar evitar, inibo-me, por agora, de agir de acordo com aquilo que são não só as minhas convicções, mas valores fundamentais da cidadania”.

O receio de lhe ver ser levantado um processo disciplinar, ou mesmo um processo-crime, levaram-no a tomar esta opção. Na carta que lhe dirigiu, o presidente diz-lhe ter tomado conhecimento da sua participação numa conferência alheia ao instituto para falar sobre um tema que, por lei, “constitui atribuição e competência exclusiva” do organismo que dirige. E argumenta que o especialista não pode divulgar conhecimentos que só adquiriu por via das funções que exerceu no Instituto de Medicina Legal.

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