A lógica da guerra e o dilema de Israel

Os líderes podem e devem tomar a história como guia. Hoje, um governo israelita que pense estrategicamente olhará para a Guerra do Golfo (1990-91).

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Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a guerra não é a violência absoluta. Para perceber a guerra temos de partir do pressuposto inverso: a guerra é o domínio da violência limitada, organizada e aplicada por agentes políticos para atingir fins concretos. Ainda que seja motivada por emoções viscerais, como o medo ou a raiva, a guerra impõe uma certa racionalidade aos envolvidos.

É por isso que hoje se está a discutir que ação tomará Israel ao ataque aéreo iraniano que sofreu durante a noite de sábado. O próprio ataque é um bom exemplo da natureza deliberada dos atos de violência dirigidos por um actor político.

Foram lançados pelo menos 170 drones e 120 mísseis, 30 deles mísseis de cruzeiro. Os números e as imagens impressionam, mas o modo como o Irão calibrou o ataque também. Israel soube atempadamente do ataque e coordenou com os seus aliados uma defesa eficaz. Apenas alguns mísseis balísticos chegaram a território israelita, tendo os restantes sido abatidos em rota por caças israelitas e aliados. Dos que chegaram a Israel, 99% não ultrapassaram o sofisticado sistema de defesa anti-aérea de Israel. Há apenas um ferido a registar.

Terá então o ataque sido um falhanço? Longe disso. O Irão atingiu dois objectivos importantes.

Primeiro, retaliou contra o ataque israelita ao consulado do Irão em Damasco, que vitimou um comandante da Força Quds, uma importante unidade especial iraniana. Deixar sem resposta este ataque, que chocou a comunidade internacional por ter como alvo uma missão diplomática, afectaria a credibilidade do Irão junto das várias organizações militantes que apoia, como o Hamas, o Hezbollah ou os houthis.

Em segundo lugar, o Irão demonstrou capacidade militar. Na sua guerra em surdina contra Israel, o Irão tem actuado por procuração através daquelas organizações militantes. Havia por isso dúvidas sobre as suas capacidades militares convencionais, em especial quanto ao alcance dos mísseis balísticos. Do ponto de vista iraniano, a existência destas dúvidas poderia motivar os adversários a subvalorizar a sua força e até a iniciar um ataque directo.

Assim, embora o ataque de sábado não tenha causado danos de maior, foi bem-sucedido a comunicar a determinação e a capacidade iranianas. Na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o embaixador do Irão tentou pôr um ponto final à questão, assegurando que o Irão não quer uma escalada do conflito.

Neste diálogo terrível que é a guerra, é agora a vez de Israel responder. E tem mais que o dever de calibrar a sua resposta: a resposta é calibrada por natureza; ou seja, a utilização de violência por parte de Israel será sempre resultado de várias decisões políticas. Qual a escala dos danos a provocar? Que meios utilizar? Que alvos atingir? A liderança israelita responderá a cada uma destas perguntas da forma que melhor satisfizer os seus objetivos. A isto chama-se estratégia.

Mas o cálculo estratégico depende de inúmeros factores e cada um deles é difícil de avaliar. Para atenuar esta incerteza, os líderes podem e devem tomar a história como guia. Hoje, um governo israelita que pense estrategicamente olhará para a Guerra do Golfo (1990-91). Após a invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein, condenada por todos os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os EUA conseguiram reunir uma ampla coligação para expulsar o Iraque do emirado. A oposição a Saddam teve a participação activa da Arábia Saudita e do Egipto e o apoio de outros Estados árabes.

Para tentar quebrar esta coligação, Saddam disparou dezenas de mísseis contra as cidades israelitas de Telavive e Haifa. A ideia era provocar uma retaliação de Israel que lembrasse aos restantes árabes quem era o verdadeiro inimigo. Apesar da séria ameaça de ataques químicos por Saddam, os EUA conseguiram demover Israel de retaliar. A coligação manteve-se e hoje a Guerra do Golfo permanece como uma das raras vitórias claras dos EUA na região.

O ataque de 7 de Outubro de 2023 veio interromper um processo de normalização das relações de Israel com os Estados árabes da região. A questão da Palestina voltou a ser saliente entre as opiniões públicas da região, mas mesmo assim a Arábia Saudita, a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos ainda cooperaram na defesa de Israel este sábado. Tal como fez o Iraque em 1991, o Irão está a tentar semear a discórdia ao ligar a sua luta à questão palestiniana.

A estratégia e a história aconselham a que Israel opte pela contenção. Infelizmente, a racionalidade estratégica nem sempre prevalece.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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