Políticas de saúde: algumas questões aos partidos candidatos às próximas eleições

Face aos excelentes resultados históricos do SNS, pretendem os partidos melhorar o serviço de saúde que temos ou criar um novo?

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Tal como já afirmámos noutro artigo, os cuidados de saúde são, antes de mais, uma responsabilidade individual e das famílias. Todavia, em muitos países os mesmos perspetivam-se como um dos elementos de um pacto social mais amplo que assenta numa economia do bem-estar, através da qual as regras, normas e incentivos são estabelecidos para proporcionar qualidade de vida e prosperidade a todas as pessoas, em harmonia com o nosso ambiente e com equidade.

Neste contexto e neste período pré-eleitoral, a crer nas sondagens, a saúde assume-se como um dos temas que mais preocupa os portugueses. Pelo que, ao invés de servir de arma de arremesso e forma de dirimir culpas passadas, deveria ser merecedor de um debate sério que fosse indutor de esperança e segurança. Nada gera mais insegurança que ouvir dos responsáveis políticos um discurso catastrofista!

Sobre o passado vamos cingir-nos a dois aspetos. Primeiro, relativamente aos indicadores de saúde da população, existe um "antes" e um "depois" da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apenas três exemplos:

  • esperança de vida à nascença em 1979 (ano da criação do SNS), 71 anos; em 2021, 81 anos
  • taxa de mortalidade materna em 1980, 19 por 100 mil nados vivos; em 2021, 8,8 por 100 mil nados vivos
  • taxa de mortalidade infantil em 1979, 26 por mil nados vivos; em 2021, 2,6 por mil nados vivos.

Portanto, com base nestes indicadores, mas não só, o SNS foi provavelmente um dos maiores sucessos da democracia portuguesa.

Segundo, pelo exposto, o sucesso do SNS contribuiu para mudar radicalmente o perfil epidemiológico da população portuguesa. Consequentemente, se vivemos mais anos temos maiores probabilidades de ter doenças crónicas e de estas agravarem as perdas de funcionalidade associadas ao envelhecimento, conduzindo assim a maiores níveis de dependência. Diz-se por isso que Portugal tem elevada carga de doença crónica, sob a forma de multimorbilidade, e dependência.

Pelas razões expostas, mas também porque toda a sociedade mudou, é natural que o SNS também precise de mudar para continuar a responder às necessidades de saúde e bem-estar da população. Quando a mudança se equaciona existem duas grandes possibilidades: ou melhoramos o que temos, ou entendemos que o que temos já não serve, deitamos fora e criamos algo de novo. Convém, todavia, não esquecer que quando falamos do SNS falamos da maior e mais complexa organização portuguesa: possui cerca de 150.000 trabalhadores, funciona ininterruptamente, está presente em todo o país e recebe todo o tipo de pessoas. Portanto, não se pode descartar este serviço público e substituí-lo por outro como se de um carro velho se tratasse.

Então fica a primeira pergunta: face aos excelentes resultados históricos do SNS, pretendem os partidos melhorar o serviço de saúde que temos ou criar um novo?

Tenho ouvido argumentos de alguns setores clamando por uma mudança radical para um sistema do tipo alemão, em nome de uma suposta liberdade de escolha dos cidadãos e de uma presumida maior eficácia.

Ora, como afirmei no início, é fundamental evitar a demagogia. Há muitos anos (1971) Julian Tudor Hart definiu a lei do cuidado inverso que afirma o seguinte: quem mais precisa de cuidados é quem a eles menos acede e deles beneficia. Sejamos claros, que capacidade de escolha terá alguém que está doente, dependente e provavelmente terá uma literacia em saúde reduzida como é comum em Portugal? Mas podemos também perguntar: qual a capacidade de escolha de qualquer cidadão quando está doente? Provavelmente apenas do prestador!

Porém, o problema não se resume à escolha do prestador. Se já constatámos que evoluímos de uma sociedade onde predominava a doença aguda para uma outra onde prevalece a doença crónica sob a forma de multimorbilidade, tal significa que a resposta dos cuidados de saúde também precisa evoluir. É que quando predominava a doença aguda o problema poderia resolver-se com uma intervenção pontual dos profissionais de saúde; perante a prevalência da doença crónica e face à sua complexidade, só podemos responder com integração e continuidade de cuidados. Então, o saltitar de prestador para prestador não apenas é contraproducente para a saúde e bem-estar, como poderá induzir danos para a pessoa e maiores gastos.

Sobre a eficácia do serviço público de saúde português face a outros também vale a pena refletir. De acordo com dados do FMI, em 2018 Portugal ocupava a 18.ª posição entre os países europeus quando comparamos o PIB em paridade do poder de compra. Todavia, quando comparamos o desempenho do SNS português de acordo com o Euro Health Consumer Index 2018, ficamos na 13.ª posição, curiosamente, imediatamente a seguir à Alemanha e à França e antes do Reino Unido. Portanto, o desempenho do SNS português não apenas parece ser superior ao da economia portuguesa, como demonstra melhores resultados em dimensões como: direitos e informação do doente, acesso a cuidados, resultados do tratamento, amplitude e alcance dos serviços, prevenção e uso de produtos farmacêuticos.

Face ao exposto parece que o mais sensato será melhorar o que temos, adequando-o à atual realidade epidemiológica, social e económica.

Assim, impõe-se que os partidos esclareçam:

  • Como é que se propõem mudar o SNS e com que objetivos?
  • Qual a estratégia para enfrentar os principais desafios de saúde da atualidade, nomeadamente, promoção da saúde, ameaça de novas pandemias, saúde mental e envelhecimento com multimorbilidade e dependência?
  • Como pretendem garantir as dimensões essenciais de um serviço público de saúde moderno, nomeadamente, promover o acesso, garantir a participação do cidadão e a integração e continuidade de cuidados?
  • Como tencionam motivar os profissionais de saúde a aderir ao SNS e como pensam promover a formação e desenvolvimento interprofissional ao longo da vida?
  • Face à atual tendência de cuidados de proximidade, qual a estratégia para os Cuidados de Saúde Primários e para os Cuidados de Longa Duração?
  • Como pretendem aplicar à saúde a mais a revolução tecnológica em curso?
  • Sendo o sistema de informação um pilar fundamental do sistema de saúde, como tencionam desenvolvê-lo, considerando, a centralidade do cidadão, o planeamento de cuidados integrados e a contenção de custos?
  • Qual a estratégia de investimento e de governação em saúde?

A par com as respostas a estas questões, podem fazer o favor de não alarmar as pessoas aumentando a sua insegurança? Ou será mesmo esse o objetivo?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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