Como lidar com a ansiedade que a guerra nos faz sentir?
Culpa, impotência, tristeza, medo. É difícil digerir a informação de tantas mortes e tragédia, mas há estratégias para lidar melhor. A psicóloga Ana Carina Valente desvenda algumas.
Há mais de um mês, temos visto quase em directo imagens de destruição e morte; ataques a Gaza que não cessam, ao mesmo tempo que estão prestes a assinalar-se os 600 dias de guerra na Ucrânia. Digerir esta informação, lidar com o sentimento de impotência e de culpa pode provocar uma grande ansiedade.
A psicóloga Ana Carina Valente dá algumas dicas para lidar com ela. Não tens (nem deves) alienar-te do que está a acontecer, mas consumir informação em sites fidedignos e dedicar momentos do dia para ver essas imagens pode ajudar. E fazer o bem, à escala que conseguires.
É normal sentir ansiedade quando há uma guerra noutra parte do mundo?
Sim. “Quando assistimos quase directamente a imagens tão violentas”, é natural que nos sintamos ansiosos, em stress, ou ainda “com medo, em choque, com falta de esperança no futuro”. São “acontecimentos que saem do nosso controlo” e que, depois de uma pandemia em 2020 e uma guerra que se desencadeou na Ucrânia em Fevereiro de 2022, se tornam cada vez mais difíceis de aceitar.
Como evitar a banalização da morte?
“A exposição muito frequente e prolongada a imagens violentas pode provocar sofrimento, medo, tristeza, mas por outro lado pode provocar exaustão emocional”, começa por explicar a psicóloga. E esse cansaço e exposição a imagens que inicialmente nos chocavam pode “diminuir a nossa sensibilidade”.
É quase um “processo defensivo”, ou um “mecanismo de defesa”. Mas também é importante continuarmos a querer saber o que acontece no mundo, por isso é relevante, por exemplo, “seleccionar as fontes de informação e escolher meios menos sensacionalistas”, aconselha Ana Carina Valente.
Devo escolher determinados períodos do dia para me actualizar e informar?
Esta pode ser uma boa estratégia. Em vez de passares o dia a fazer scroll, podes optar por “escolher e limitar o tempo de exposição a estas imagens”. “Não é por vermos muita informação que estamos melhor informados”, relembra a psicóloga. “Portanto, podemos fazer a actualização num determinado período do dia e, a partir daí, desconectar de uma forma ocasional, para diminuir o impacto que isto tem na saúde mental e psicológica.”
Como lido com o sentimento de impotência?
“Há muitas coisas no mundo e nas nossas vidas que não estão sob o nosso controlo.” A guerra é uma delas. Por isso, é preciso “haver uma aceitação”.
Existem, contudo, formas de “sentir que estou a contribuir dentro daquilo que está ao meu alcance”. Ter comportamentos “pró-sociais”, ou seja, ajudar e fazer bem aos outros, é uma forma de “alimentar as emoções positivas”.
Podes também juntar-te a manifestações, assinar uma petição, ou doar.
E com o sentimento de culpa?
Viver num país onde há paz, poder ir ao restaurante, ao cinema, passear no parque… pode criar o “tão frequente” sentimento de culpa. Ana Carina Valente recomenda “substituir a culpa pela responsabilidade de tratar do meu bem-estar e de quem está à minha volta”. Por isso, a “manutenção das rotinas” e a “procura de actividades prazerosas” são importantes porque nos “trazem saúde”.
Como aceito a indiferença dos outros em relação ao tema?
“Nas relações interpessoais devemos tentar aceitar as diferenças. Vamos ter relações mais saudáveis com diminuição do conflito.” Mas “uns de nós têm mais facilidade em aceitar as diferenças dos outros”.
Assim, é importante “seleccionar as pessoas com quem mais facilmente conseguimos conversar ou ter uma maior identificação para a realização de determinadas actividades, como por exemplo conversar sobre a guerra e sobre o impacto da guerra”.
A que me posso agarrar?
É importante manter a esperança e lembrarmo-nos “que as guerras acabam”. “Quando falamos de guerra, também devemos falar de paz”, tranquiliza a psicóloga. Quando nos estivermos a esquecer disto, talvez seja relevante compensar “as notícias [más] que recebemos com informações mais positivas sobre as pessoas”.
“Devemos estar com os outros, estar atentos aos nossos e tentar olhar à nossa volta e ver o que é que nós temos de bom. No nosso país, mas também na nossa vida.” E também “reflectir sobre o que podemos fazer melhor”. Na vida de quem nos rodeia, e no mundo.