Remédios para a diabetes e perda de peso: em sete meses deste ano, já se vendeu mais de o dobro de 2019

Vendas dos chamados agonistas dos receptores GLP-1, fármacos usados na diabetes tipo 2 com vantagem de reduzirem o peso, dispararam em Portugal ao longo dos últimos anos.

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A enorme procura por medicamentos para a diabetes e perda de peso tem provocado escassez no mercado Fotolia/GETTYIMAGES
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Vinte e três quilos em seis meses: foi este o peso que Maria Barreto, de 53 anos, perdeu graças ao Ozempic, o remédio de que muito se tem falado ultimamente. Desde os 14 anos que Maria se debate com a obesidade, um problema de família. Nessa altura, lembra-se que o seu pai já a costumava levar a uma clínica em Badajoz, Espanha, numa tentativa de dar solução ao excesso de peso da filha.

Maria Barreto fez “tudo o que se possa imaginar, todas as grandes dietas daqui e dali”. Foi então que uma das suas quatro filhas anunciou que ia casar-se dentro de seis meses. “Isto foi em Janeiro de 2022, eu estava com 100 quilos. Então, decidi fazer uma aposta comigo própria e com as minhas filhas de que até dia 16 de Julho iria emagrecer 20 quilos.”

Dirigiu-se a um médico, fez análises e uma avaliação do seu passado e foram-lhe propostas duas alternativas: o bypass gástrico ou as injecções de Ozempic. Optou pela segunda opção, sabendo que, como não tem diabetes, esta medicação não seria comparticipada. “Tomava dois miligramas por semana, ou seja, gastava 250 euros por mês. Mas como tinha um prazo curto para emagrecer decidi investir.”

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A mulher de 53 anos começou “logo” a perder peso e, com isso, surgiu uma série de benefícios, nomeadamente uma “mudança de rotinas” que passou a incluir a prática de exercício físico diariamente. Antes, diz, sofria de “dores articulares, dores nas costas diárias, dormências nos braços, dormia mal à noite e tinha já uma série de problemas” – algo que mudou quando iniciou o tratamento que, além de lhe ter possibilitado uma grande perda de peso, permitiu-lhe fazê-lo com “boa cara, sempre bem-disposta e com energia”.

O Ozempic (cuja substância activa é o semaglutido) pertence à classe dos agonistas dos receptores GLP-1, na qual se incluem também os medicamentos Trulicity (dulaglutido), Bydureon (exenatido), Saxenda e Victoza (liraglutido). Até Julho deste ano, ou seja, em sete meses, as vendas destes fármacos usados na diabetes tipo 2 com vantagem de reduzirem o peso e apresentarem benefícios cardiovasculares já ultrapassaram o dobro do total de embalagens vendidas em todo o ano de 2019 em Portugal – com 916.573 embalagens vendidas até Julho de 2023 e 433.119 em 2019, segundo dados enviados ao PÚBLICO pela Associação Nacional de Farmácias (ANF).

Os dados da ANF confirmam que as vendas destes fármacos dispararam no país ao longo dos últimos anos: em 2020, foram vendidas 600.535 embalagens; em 2021, o total de caixas vendidas chegou às 852.044; e, em 2022, este número ultrapassou um milhão (1.350.194). Uma tendência que se tem verificado em todo o mundo.

O Infarmed disponibilizou também alguns dados relativos às vendas comparticipadas de Ozempic, que mostram que, em 2021 (ano em que começou a ser comercializado no país, em Maio), foram vendidas 61.987 embalagens – um número que sobe para 245.588 em 2022 e para 148.632 nos primeiros seis meses de 2023. Em relação ao Victoza, os dados do Infarmed apontam para vendas a rondar as 136.186 embalagens em 2018; 218.219 em 2020; 232.859 em 2021; 226.374 em 2022 e 131.517 nos primeiros seis meses de 2023. Porém, importa ressalvar que estes dados contemplam apenas os “medicamentos comparticipados e dispensados em regime de ambulatório à população abrangida pelo Serviço Nacional de Saúde, no período de 1 de Janeiro de 2018 a 30 de Junho de 2023, em Portugal Continental”.

Em resposta ao PÚBLICO por e-mail, o Infarmed destaca que “existem vários medicamentos com indicação para o tratamento da diabetes e que se encontram comparticipados, enquanto para o tratamento da obesidade não existem actualmente medicamentos comparticipados”. É o caso do Saxenda, medicamento para a obesidade que não é comparticipado, e cuja estimativa de colocação de medicamentos nas farmácias portuguesas aponta para 6739 embalagens em 2020; 10.964 em 2021; e 20.654 em 2022, segundo dados da IQVIA Portugal citados pelo Infarmed.

O Infarmed esclarece ainda que o Victoza e o Ozempic são medicamentos para a diabetes financiados, cujas substâncias activas (o liraglutido e o semaglutido, respectivamente) integram outros medicamentos – o Saxenda e o Wegovy – que “têm indicação para o tratamento da obesidade [em doses mais altas], mas não estão financiados”. Na verdade, o Wegovy não é sequer comercializado em Portugal (ainda).

A enorme procura por estes medicamentos tem provocado escassez no mercado. No final de Agosto, o Infarmed admitia que, por exemplo, o Ozempic, nas suas três dosagens, ainda apresentava “constrangimentos no abastecimento, situação que também se manifesta a nível europeu”.

O cenário levou mesmo o Infarmed a pedir aos médicos, em Outubro, que prescrevam “em consciência” o semaglutido. “Foi incluído um alerta na plataforma PEM [Prescrição Electrónica de Medicamentos] de modo a que o médico prescritor confirme se o doente cumpre ou não os critérios de comparticipação. Se não cumprir, a prescrição é emitida sem comparticipação”, acrescenta o Infarmed, questionado sobre eventuais prescrições “off-label”, ou seja, para fins diferentes dos aprovados pelas entidades reguladoras.

“É milagroso”

“É milagroso. Não me admira que esteja completamente esgotado”: palavras de Guilherme D’Orey, diabético de 65 anos, sobre o Ozempic 1mg, que toma na forma de caneta injectável uma vez por semana. Desde que começou a tomar o Ozempic, há cerca de dois anos, emagreceu entre dez e 15 quilos. “Uma pessoa passa bem se comer uma maçã ao almoço ou ao jantar. Eu só não emagreço mais porque sou guloso e adoro comer”, conta.

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Graças à medicação que toma (e que inclui outros tratamentos juntamente com o Ozempic), a sua diabetes está controlada. “Da última vez que fui ao médico, ele disse-me que se eu estivesse num exame as minhas análises correspondiam a um 19 [em 20 valores]”, conta Guilherme D’Orey. Para além da redução do apetite, não nota qualquer outro efeito significativo desde que começou a tomar Ozempic.

Porém, lamenta que seja “impossível comprar” o medicamento nas farmácias. “Só consigo comprar na Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal [APDP], fiz-me sócio por causa disso.”

Nuno Pinto Basto, de 61 anos, começou também a tomar o Ozempic há cerca de um ano e meio. “Já emagreci oito quilos e tenho a minha diabetes muito controlada.” A falta de apetite foi uma das principais diferenças que notou desde que começou a tomar a injecção semanal de semaglutido. “A perda de peso foi algo que me animou bastante. Sinto que não tenho tanta fome e como menos. Hoje em dia, quando janto ou almoço já não repito, só me sirvo uma vez.”

A única diferença que nota com a toma de Ozempic, além da perda de apetite, é que, “algumas vezes” – mas não sempre –, no dia seguinte a injectar a sua dose semanal, sente-se “um bocadinho enjoado”, refere Nuno Pinto Basto. “De resto, não tenho problema nenhum.”

O homem de 61 anos corrobora os relatos anteriores sobre a escassez do medicamento. “Nas farmácias normais, não consigo comprar. Está sempre esgotado”, afirma, destacando que recorre também à APDP para arranjar o fármaco. Acredita que o Ozempic é “extremamente útil para as pessoas que querem emagrecer”. “Tenho uma filha que também está a tomar, apesar de não ser diabética, e já perdeu sete ou oito quilos e está muito contente com ela própria.”

João Raposo, director clínico da APDP, salienta que “desde há um ano que tem havido relatos” de interrupções no fornecimento destes fármacos ao nível nacional e internacional. “A situação não está ainda corrigida. Estamos provavelmente mais alerta, a dispensa está a ser mais controlada do ponto de vista das prescrições e da farmácia, mas continua a ser muito frequente a dificuldade no acesso das pessoas com diabetes a estas classes terapêuticas.”

Na sua opinião, o Infarmed deve levar a cabo conversações com as farmacêuticas “no sentido de perceber se as quantidades que estão disponibilizadas no mercado correspondem às necessidades das pessoas com diabetes”.

Contactada pelo PÚBLICO, a Novo Nordisk, farmacêutica dinamarquesa que produz medicamentos como o Ozempic, Victoza, Saxenda e Wegovy — e que passou recentemente a valer mais do que o PIB da Dinamarca —, garante que “não se verifica neste momento uma situação de ruptura de stock de semaglutido ou liraglutido em Portugal”. Contudo, e perante a “elevada procura que se mantém nos diferentes países, incluindo Portugal”, confirma a ocorrência de “constrangimentos pontuais” de acesso ao medicamento Ozempic, situação que diz estar a monitorizar em conjunto com as autoridades de saúde. “Na eventualidade de risco de potenciais rupturas, iremos notificar e actuar com a antecedência devida, nos tempos previstos na lei portuguesa. A Novo Nordisk está a trabalhar arduamente para resolver esta situação, antecipando que os constrangimentos se poderão manter em 2024”, acrescenta.

Deveria a comparticipação ser alargada?

João Raposo sublinha que a comparticipação destes medicamentos “foi autorizada para pessoas [diabéticas] que têm um índice de massa corporal [IMC] superior a 35 e isso significa uma obesidade já acentuada”. “Mas, na verdade, estes medicamentos funcionam muito bem para todas as pessoas que têm diabetes tipo 2. Portanto, temos que discutir seriamente o alargamento da população-alvo e a necessidade de entrarem mais medicamentos em Portugal.”

Segundo o director clínico da APDP, em Portugal existirão cerca de 800 mil pessoas com diabetes em tratamento. Destes, de acordo com os dados do Observatório Nacional da Diabetes da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, cerca de 22% terão um IMC superior a 30 e mais cerca de 14% terão excesso de peso.

“Neste momento, apenas uma pequena percentagem de pessoas com diabetes tem acesso a esta classe terapêutica”, concretiza João Raposo, que defende que “o alargamento do acesso destas terapêuticas às pessoas com diabetes deveria estar ligado a novos mecanismos de discussão do preço de modo a que os custos destas terapêuticas para o nosso Estado sejam devidamente controlados”.

Atendendo ao “benefício evidente” da sua utilização para o tratamento adjuvante da obesidade — mesmo em pessoas sem diabetes —, o especialista acredita que seria “importante iniciar a discussão da organização de programas integrados de combate à obesidade onde a utilização destes medicamentos seja devidamente regulada”.

A diabetes e a obesidade andam de mãos dadas, segundo explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), João Jácome de Castro. “A obesidade é a principal causa da maior parte dos casos de diabetes e o excesso de peso e a obesidade agravam significativamente o prognóstico da diabetes.”

João Jácome de Castro destaca que estes remédios têm demonstrado “cada vez mais eficácia, mais segurança e, nos últimos anos, uma modificação do prognóstico com diminuição da mortalidade e do internamento, por doença cardíaca e por doença renal, assim como uma demonstração extensiva sobre a utilização destes remédios em doses mais altas nas pessoas com obesidade e com excesso de peso”.

Segundo o endocrinologista, há falta destes fármacos no mercado justamente porque existem actualmente “remédios que são melhores do que aqueles que tínhamos até agora” e, portanto, “em todo o mundo está a haver uma procura maior”.

O presidente da SPEDM salienta que entre 10 e 13% da população portuguesa tem diabetes e mais de 50% da população adulta tem excesso de peso ou obesidade. “Portanto, a procura começou a ser não só para as pessoas com diabetes, mas também para as pessoas com obesidade”, afirma.

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Neste sentido, defende que é necessário haver possibilidade de as farmacêuticas que produzem estes medicamentos – como a Novo Nordisk – introduzirem “novas moléculas no mercado”, nomeadamente o Wegovy, para tratar a obesidade. E que consigam também manter o abastecimento dos fármacos “irmãos” como o Ozempic, o Victoza e o Saxenda.

“Tem sido um excelente apoio na tentativa de perder peso”

Rosa (nome fictício) tem 59 anos e toma Saxenda. “A partir de certa altura, mais ou menos coincidente com a menopausa, comecei a engordar bastante e estava a ser difícil emagrecer e controlar o peso”, conta, salientando que “estava já no limiar da obesidade”. Ouviu falar deste medicamento e resolveu experimentar com o devido acompanhamento médico – desde então, tem “conseguido, de facto, emagrecer”. Aliado ao Saxenda, tem tido também cuidado com a alimentação e praticado exercício físico.

É, garante, um “processo progressivo” em que se começa com uma dose mínima e se vai aumentando lentamente se não houver efeitos secundários. Desde que começou a tomar a injecção diária de Saxenda, há cerca de um ano, perdeu dez quilos. “Já foi razoável, mas ainda gostava de perder mais alguns.”

Rosa corrobora que também “este medicamento tem estado bastante esgotado e tem sido difícil de encontrar”. Por isso, não aumentou a dose para 3mg e preferiu “continuar com uma dose mais baixa do que arriscar não ter”.

“Tem sido um excelente apoio na tentativa de perder peso e de, conjuntamente, educar-me também a comer menos com este apoio da supressão da fome ou o retardamento do esvaziamento do estômago”, frisa Rosa, que acredita que estes medicamentos deveriam ser também comparticipados para a obesidade. “A obesidade propicia o aparecimento de outras doenças que podem ter consequências bastante graves, nomeadamente do foro cardiovascular.”

Paula Freitas, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e coordenadora de endocrinologia do Centro de Responsabilidade Integrada da Obesidade no Hospital São João, acredita que “teremos, no futuro, fármacos vindouros que estão associados a [ainda] maiores reduções de peso” e que poderão mesmo “rivalizar com a cirurgia bariátrica”.

Mas salienta que “quando uma pessoa perde 5% do peso corporal isto já tem benefícios — reduz a sua hipertensão, a sua hiperglicemia”. Quanto maior for a redução do peso, maiores as vantagens em termos de saúde e prevenção de doenças – “quando uma pessoa perde mais de 15% até pode haver uma remissão da própria diabetes, da mortalidade cardiovascular, da insuficiência cardíaca”. “Obviamente, a partir dos 20% e 25% os ganhos em saúde são enormes.”

Paula Freitas também lamenta que, em Portugal, os fármacos para o tratamento da obesidade não sejam comparticipados. “Portugal foi um dos primeiros países a considerar a obesidade uma doença, mas agora é preciso dar outro passo.”

E se a obesidade desaparecesse “por magia”?

Se, “por magia”, diz a endocrinologista, a obesidade desaparecesse em Portugal, “desaparecia 35,8% da doença cardíaca isquémica, desaparecia 37% do cancro do útero, desaparecia 42,8% dos AVCs isquémicos e 63% dos AVCs hemorrágicos, desaparecia 69% da cardiopatia hipertensiva, desaparecia 30% da doença renal crónica e desaparecia 80% da diabetes mellitus tipo 2”. Hoje, garante Paula Freitas, “existe evidência científica robusta que diz que a obesidade está associada a mais de 200 doenças e a mais de 13 tipos de cancro”. “Não faz sentido haver muita preocupação em tratar as doenças associadas quando devíamos tratar antes.”

A obesidade, acrescenta João Jácome de Castro, “não é só uma pessoa não conseguir pôr as calças de que gosta ou sentar-se na cadeira do avião ou do cinema”. “A obesidade é também uma doença que se associa a menos sete anos de esperança de vida, a um aumento significativo do risco de enfarte do miocárdio, do acidente vascular cerebral, das doenças osteoarticulares, da depressão, do absentismo laboral e de muitos cancros.”

Manuel (nome fictício), de 57 anos, foi diagnosticado com obesidade de nível três e “já estava há uns 15 anos sem conseguir nunca baixar de peso, mesmo fazendo algum tipo de exercício”. Em Abril deste ano, começou a tomar Saxenda. “Fez-me perder mais de 10% do peso em dois meses — eu tinha 104 quilos e fiquei com 93 quilos.”

Foi então que a medicação lhe começou a faltar a partir de Maio. “Engordei um quilo e não consigo perder mais peso. A ajuda medicamentosa que existia deixou de existir. Tenho a certeza absoluta que se tivesse mantido o Saxenda tinha atingido os 80 kg, que era o meu objectivo.”

O medicamento estava “a ajudar muito”, especialmente “em perder a vontade de comer” aquilo que não deve e em grandes quantidades. Desde que deixou de tomar o fármaco, já não consegue “fazer o que fazia”: “Chegava à noite e jantava uma sopa e ficava perfeitamente bem e agora não consigo.”

Manuel garante que “a obesidade é um problema grave”. “Tenho os meus joelhos feitos num oito e só estou à espera que a idade lá chegue para pôr duas próteses nos joelhos por causa do excesso de peso”, lamenta, destacando que os medicamentos para a obesidade deveriam ser comparticipados tal como outras medicações. “É tratado como um luxo.”

A esperança é voltar a conseguir ter acesso a este medicamento “para atingir o seu objectivo [dos 80 quilos] e para ter mais qualidade de vida e mais saúde”. “Ninguém imagina o que é perder mais de 10% do peso em dois meses. Senti-me logo muito melhor — senti diferença na minha actividade diária, as coisas todas eram muito mais fáceis.”

Uma doença complexa, multifactorial, crónica e recidivante

João Raposo, da APDP, sublinha que “temos que começar em Portugal uma discussão séria sobre como é que vamos tratar as pessoas com obesidade e se temos lugar ou não para a comparticipação de medicamentos para a obesidade, quais e em que condições”.

À semelhança dos restantes, João Jácome de Castro defende que deveria haver algum grau de comparticipação dos medicamentos para o excesso de peso e a obesidade. “Isso é uma coisa que terá que ser negociada para os doentes que mais necessitam e tem que se discutir quais é que serão. E depois tem que haver supervisão.”

O presidente da SPEDM acha “legítimo que as pessoas estejam empenhadas em encontrar estes medicamentos” — até porque o excesso de peso e a obesidade são “um contínuo” —, mas admite que, “havendo escassez da oferta no mercado, deve-se dar primazia às pessoas que têm, de facto, condições mais severas, neste caso, as pessoas com diabetes, até haver mais medicamento no mercado”.

Paula Freitas alerta, por sua vez, que “o tratamento da obesidade não passa só por dar um fármaco”. Em primeiro lugar, importa estudar a causa da obesidade — que pode ser genética, endócrina ou até emocional/psicológica. Depois, é essencial “ensinar as pessoas, por exemplo, a alimentarem-se correctamente e fazer uma promoção do exercício físico”. “A obesidade é uma doença complexa, multifactorial, crónica e recidivante. A equipa de tratamento da obesidade, num mundo ideal, devia incluir um médico, um endocrinologista, um nutricionista, um fisiologista do exercício físico e também um psicólogo e um psiquiatra”, defende.

Sobre relatos de ganho de peso após a interrupção da medicação, Paula Freitas tece uma comparação: “Quando temos um doente com aumento do colesterol, damos-lhe um fármaco para o colesterol e, se retirarmos o fármaco, o colesterol volta a subir.” Mas isto não acontece só com a medicação. “Temos doentes submetidos à cirurgia bariátrica, nomeadamente a bypass, que é o tratamento hoje mais eficaz que temos, que perdem muito peso no primeiro ano e depois há sempre algum reganho. Mas cerca de 30% dos doentes, passados seis a nove anos, estão exactamente iguais. Isso vem demonstrar a cronicidade da doença e o facto de ser uma doença recidivante” e com uma plausibilidade biológica, completa.

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ADRIANO MIRANDA

Regressamos ao início. Perante a escassez de Ozempic, Maria Barreto foi obrigada a fazer “o desmame” do medicamento. “Houve aquela recomendação de que era só para diabéticos e eu não sou diabética. Portanto, comecei a racionar e deixei há pouco tempo.”

Se houvesse produto no mercado, garante que continuaria a tomar. Até porque ainda queria perder mais uns sete ou oito quilos. “Eu voltar a engordar é muito mais grave do que tomar o Ozempic. Agora, quando dizem que pessoas com cinco ou seis quilos a mais vão tomar o Ozempic eu não concordo porque isto tornou-se uma moda. A obesidade tem de ser considerada uma doença grave, que é, com todas as implicações que tem.”

Apesar dos resultados promissores, Maria garante que “não há milagres” e que, aliada à medicação, é essencial haver uma alteração de hábitos. “Passei a fazer seis a sete quilómetros por dia. Antes, eu não me mexia, não me sentia bem para fazer este tipo de exercício e, hoje em dia, não prescindo — é como lavar os dentes. Ou seja, também tem que dar esse clique na cabeça da pessoa para uma mudança de rotinas.”

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