Editoras e baterista distanciam-se cautelosamente do cantor dos Rammstein

Acusações de má conduta sexual: concerto deste sábado alvo de protestos. Banda actua dia 26 em Lisboa. Christoph Schneider diz que nada viu de ilegal mas que vocalista “criou a sua própria bolha”.

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Juventude Socialista e colectivos feministas protestam este sábado frente ao pavilhão onde decorrerá o concerto dos Rammstein em Berna ANTHONY ANEX/EPA
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Till Lindermann em Portugal Miguel Manso
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Juventude Socialista e colectivos feministas protestam frente ao pavilhão onde decorreu o concerto dos Rammstein em Berna ANTHONY ANEX/EPA
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Pouco mais de uma semana antes do concerto dos Rammstein agendado para Lisboa, a editora da banda de metal alemã suspendeu toda a actividade promocional relacionada com o grupo cujo vocalista está a ser formalmente investigado por alegações de agressão sexual. Além do afastamento da Universal, e da editora literária do vocalista, também o baterista do grupo de Du Hast, Christoph Schneider, frisou que a banda está “profundamente abalada” e que nos últimos tempos o cantor Till Lindemann “se distanciou” do grupo — que continua a actuar por estes dias.

Till Lindemann é acusado por várias mulheres de ter uma espécie de esquema montado para as seleccionar a partir do público dos seus concertos e alegadamente as drogar para tentar ter relações sexuais. Nenhuma das mulheres o acusa de violação, mas sim de agressão sexual e/ou de suspeita de uso de narcóticos para diminuir a sua capacidade reactiva.

A Universal diz que as alegações contra Till Lindemann “chocaram” a editora, que garante ter “o maior respeito pelas mulheres que falaram publicamente com tanta coragem neste caso”. O impacto desta decisão na digressão em curso, que passa dia 26 pelo Estádio da Luz, em Lisboa, parece para já ser nulo, mantendo-se a banda na estrada. Dia 14, aliás, actuaram na Eslováquia e este sábado sobem ao palco em Berna, na Suíça. À porta da sala de concertos está montado um protesto da Juventude Socialista suíça e de colectivos feministas com cartazes em que se lê que "não há palco para abusadores", em tradução livre.

A polémica já tinha estalado na imprensa alemã quando os Rammstein actuaram em Munique por duas noites consecutivas. O título da reportagem do diário alemão Süddeutsche Zeitung dizia tudo: “Als wäre nichts gewesen”, ou seja “Como se nada tivesse acontecido”.

Estão entretanto em curso petições online assinadas já por milhares de pessoas que pedem a suspensão dos concertos, a 15 e 16 de Julho, no Estádio Olímpico de Berlim — é um espaço de gestão pública. Os concertos estão esgotados. Foi a procuradoria de Berlim que decidiu iniciar uma investigação sobre as alegações contra o cantor dos Rammstein, que através dos seus advogados diz que “são, sem excepção, falsas”.

Este sábado, a revista alemã Focus noticia que não só o mais recente álbum dos Rammstein está nos tops de vendas como os seus trabalhos anteriores começaram a escalar nas listas.

Sexta-feira, o baterista dos Rammstein tornou-se o primeiro membro da banda a falar individualmente sobre as acusações. Christoph Schneider diz estar “em choque” e que não acredita que algo “criminalmente relevante (como o uso de de gotas sedativas) tenha acontecido”, diz nunca ter visto qualquer comportamento do tipo entre os membros da equipa e do grupo. “Porém, parecem ter acontecido coisas que embora legalmente sejam ok, pessoalmente não acho ok. Certas estruturas foram para lá dos limites e dos valores dos outros membros da banda. É importante que as festas de Till não sejam confundidas com as nossas festas pós-concerto oficiais.”

É então que, através de um comunicado em alemão nas redes sociais baterista diz que o vocalista se distanciou da banda nos últimos anos e “criou a sua própria bolha. Com as suas pessoas, as suas festas, os seus projectos”. Sobre as mulheres que se queixam, lamenta o que possam ter sentido mas frisa que, nas áreas de bastidores do grupo, toda a gente é livre de sair em qualquer altura. “As garrafas estão seladas e são abertas à vista dos convidados ou abertas pelos próprios.” O comunicado termina com palavras de simpatia para com a primeira queixosa e com a garantia de que a banda — “nós os seis” — está junta.

Queixas contra Till

Nas últimas duas semanas avolumaram-se queixas contra Till Lindemann, que aos 60 anos é uma das figuras mais conhecidas do metal e do rock de estádio à escala mundial. Tudo começou pela voz de Shelby Lynn, irlandesa de 24 anos que assistiu ao primeiro concerto da actual digressão dos Rammstein em Vilnius, na Lituânia, a 23 de Maio. Nas redes sociais, relata que alegadamente foi escolhida para estar numa festa após o concerto e que durante a mesma Lindemann tentou forçar relações sexuais. Perante a recusa e resistência de Lynn, esta diz que Lindemann reagiu com violência.

Lynn apresentou queixa à polícia lituana, sem que tenha sido dada sequência à sua acusação. Relataria depois à BBC que suspeita que a sua bebida tivesse sido drogada e que não foi consumada qualquer relação sexual. Diz ter sofrido equimoses e perdas de memória.

Depois disso, várias outras mulheres vieram a público, quer através das redes sociais quer na imprensa alemã, partilhar histórias semelhantes — como a de uma mulher, identificada como Kaya R., que disse ao Süddeutsche Zeitung ter acordado numa dessas festas após um concerto num quarto de hotel com Lindemann em cima dela sem que soubesse como lá tinha ido parar, nem ter dado consentimento para qualquer contacto íntimo com o cantor. A situação terá ocorrido em Viena em 2019 e segundo a queixosa, Lindemann perguntou-lhe se ela queria que ele parasse e depois deixou o quarto.

Nos relatos das diferentes mulheres emerge um padrão de selecção de mulheres que teriam convites, através de uma mulher cujo perfil no Instagram a identifica como Alena Makeeva, “directora de casting em digressão com Till Lindemann”, para a chamada “fila zero”, uma primeira fila privilegiada nos concertos e, depois acesso a festas do vocalista. A imprensa alemã tem recolhido testemunhos deste tipo de selecção especificamente para potencial relação sexual com o cantor, e nalguns casos a suspeita de uso de substâncias químicas sem o conhecimento das espectadoras que as terão deixado menos reactivas.

O contexto em que surgem estas queixas parecia ser do conhecimento de várias pessoas no sector — Aeneas Hohenadl, gestor da Riggerwerk, uma empresa de técnicos de actuações ao vivo, diz que estas práticas eram “um segredo às claras” e fala também da chamada “fila zero”, além de uma sala sob o palco designada como “suck room” pelos roadies — “suck” significa “chupar” em inglês.

Entretanto, também a editora Kiepenheuer & Witsch, que publica a sua obra literária cortou relações com Till Lindemann. No passado recente, mais precisamente em 2020, Lindemann publicou na mesma editora alemã um poema em que escrevia sobe o prazer do sexo com alguém que está adormecido, mencionando o uso de Rohypnol, um sedativo conhecido por ter sido usado como forma de incapacitar pessoas para as agredir sexualmente. Na altura, a editora defendeu o seu direito à expressão artística. Agora, a atitude foi diferente e a empresa cita mesmo a existência de um vídeo pornográfico em que se celebra a violência sexual e que usa poesia publicada pela editora.

Os Rammstein já actuaram várias vezes em Portugal, desde incendiários concertos na sala então chamada Paradise Garage, em Lisboa, e no Hard Club, em Vila Nova de Gaia, em 1998, passando por actuações em nome próprio no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, em 2013, ou no cartaz do pelo festival Vilar de Mouros, em 2002.

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