Qual é o lugar do Bloco de Esquerda?

O lugar do BE é ocupar a rua. Sucede que temos visto a extrema-direita posicionar-se aí. Verifica-se uma situação inesperada: BE e PCP precisam de disputar a rua com forças do espectro mais oposto.

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O BE tem nova liderança e arranca uma nova fase. Não há margem para erros depois de uma pesada derrota eleitoral que reduziu a bancada parlamentar a cinco deputados. O Bloco precisa de acertar.

Muitas interpretações foram feitas da extraordinária vitória do PS e da correspondente erosão do PCP e do BE nas últimas legislativas. Uma delas aponta para a nota negativa do eleitorado, que responsabilizou estes partidos pela falta de entendimento com o PS na viabilização do Orçamento de Estado. Mas a explicação é outra: muitos portugueses votaram PS como forma de acautelar que não haveria uma governação de direita que pudesse incluir o Chega. Este voto útil é o que explica a maioria absoluta.

Esta explicação em nada facilita a missão do Bloco. É possível que a mesma equação surja nas próximas eleições, ou seja, que novamente o PSD não clarifique se fará ou não acordos com o partido de extrema-direita, convocando alguma esquerda, que não votaria PS, a fazê-lo. Mas o Bloco mostra que não irá baixar os braços.

Os discursos deste fim-de-semana centraram-se nas críticas ao PS e à governação socialista. Muitos estranharam que assim fosse. Será esse o caminho para o partido? Será dessa forma que reconquistará uma bancada cheia?

O lugar do BE é ocupar a rua. É certo que - seja pelo aumento do custo de vida, pela crise na habitação ou pelos salários que não aumentam e as carreiras que não progridem - os portugueses já começaram a ir para a rua e a manifestar insatisfação com as políticas do Governo. A rua está movimentada e ela tem sido, ao longo de décadas, o habitat natural dos partidos mais à esquerda. Sucede que temos visto a extrema-direita posicionar-se precisamente aí. Verifica-se então uma situação inesperada: BE e PCP precisam agora de disputar a rua com forças políticas do espectro mais oposto ao seu.

Esta disputa pela ocupação da rua é uma verdadeira luta política que está a ser travada e que merecia melhor atenção do país. Podemos continuar a fazer de conta que é o PS que está a travar o crescimento da extrema-direita, iludidos pelo facto de – em eleições – o voto no PS se traduzir na forma mais eficaz de evitar que integre uma solução governativa. Mas temos obrigação de notar que a realidade é outra: esta circunstância beneficia o PS. Este partido e o Chega apresentam-se ao eleitorado como sendo opositores, mas é evidente a forma como o crescimento de um leva ao crescimento do outro. Não se pode chamar a isto luta política.

É o Bloco, e claro que também o PCP, que dão luta à extrema-direita e fazem-no sem dessa luta retirar contrapartidas eleitorais. Seria justo que os portugueses reparassem que o Chega tenta infiltrar-se nos movimentos sindicais. Já aconteceu nas polícias, com os enfermeiros e com os motoristas de matérias perigosas. As duas forças políticas que impedem essa contaminação são exclusivamente o BE e o PCP. Isto tem de ser reconhecido. No dia em que estes partidos baixarem a guarda e deixarem de dar enquadramento político e ideológico à contestação social, as ruas serão tomadas pela extrema-direita populista e cai o sistema democrático. Não existe qualquer exagero nesta afirmação. Os que tanto falam em extrema-esquerda, e na pouca falta que fazem o BE e PCP, auto-dispensam-se de refletir no que seria deste país sem o combate político destes partidos.

É por isto que é uma boa notícia que o BE não desista de se afirmar como oposição ao Governo e que não desista de ocupar a rua. Esse é o caminho certo para o partido, mas, acima de tudo, é o caminho que faz falta aos portugueses. É que outros, menos recomendáveis, estão na fila para fazer o mesmo e o PS não perde nada em dar-lhes o estatuto.

Ocupar a rua exige ao Bloco que solidifique a sua militância. É preciso que o partido reforce a ligação entre os militantes e a destes aos dirigentes, ou seja, é preciso uma organização que dê corpo à ideia de partido movimento que o BE pode e pretende ser. Mariana Mortágua é a líder perfeita para os difíceis desafios do Bloco de Esquerda: uma deputada preparada e exímia, mas também uma política com vocação natural para a contestação na rua e com capacidade para criar raízes mais profundas com os militantes. Ficam eles, e com isso também nós, bem entregues.

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