IVA zero: entre o “só para inglês ver” e o “melhor do que nada”

A medida do IVA a 0% em 46 bens alimentares essenciais entrou em vigor esta terça-feira e termina a 31 de Outubro. No Mercado do Bolhão, comerciantes e clientes acham que a medida deixa a desejar.

Ricardo Moreira pagou o IVA quando fez a encomenda, mas vai vender os produtos com IVA Zero
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Ricardo Moreira pagou o IVA quando fez a encomenda, mas vai vender os produtos com IVA zero Nelson Garrido
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"Bininha" considera que a medida devia abranger mais tipos de peixe Nelson Garrido
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Para alguns clientes, era mais importante reduzir-se as contas da luz, água, gás, entre outros. Nelson Garrido

É um dia normal no Mercado do Bolhão, no coração da Baixa do Porto. A medida do 0% de IVA no cabaz de 46 produtos essenciais já entrou em vigor, mas ninguém parece particularmente entusiasmado. Dos dois lados das bancas concorda-se que é uma medida pequena, com pouca expressão. No entanto, enquanto os optimistas dizem que é “melhor do que nada”, os outros acham-na insuficiente.

Entre comerciantes, há muitos encolheres de ombros e torceres de nariz. No Talho do Toninho, por exemplo, o dia começou com prejuízo. “Nós comprámos [a carne] ontem, ainda com IVA incluído. E agora já estamos a vender com o IVA a zero. Mas eu paguei-o...”, diz Ricardo Moreira, de trás do balcão.

O responsável pelo talho diz que a medida mal se nota, a não ser que o volume de compra seja maior. Nas encomendas que costuma fazer, diz que a diferença vai ser “ligeira”. E não está confiante que venha a ter mais clientes por causa da baixa do IVA: “Se nos vão comprar mais por isso?... Acho que não.”

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A medida do IVA zero entrou em vigor esta terça-feira, depois de a versão final ser publicada em Diário da República na sexta-feira. As alterações à versão original fizeram com que se incluíssem bebidas e iogurtes de origem vegetal, assim como “produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”. O cabaz de produtos essenciais passou, então, de 44 para 46 produtos.

Enquanto espera que os legumes sejam colocados no saco, Maria Tavares critica a decisão do Governo. Para a mulher, a descida do IVA não passa de propaganda. “É uma coisa para inglês ver. Não chega.” Com as comerciantes da bancada, que já conhece, comenta: “Isto é para, quando chegar à hora do voto, a gente votar neles outra vez. Comigo não têm sorte!...”

“As pessoas sentem-se enganadas pelo Governo. Isto é uma ‘geringonça’, mais uma ‘geringonça’”

Laurinda, da banca de vegetais das irmãs Araújo, também não acha que a medida seja significativa. “Foi um rebuçadinho...”, explica. “Já atendi alguns clientes e eles nem falam no IVA.” Para a comerciante, era mais importante baixar o preço “da luz, da água, do gás”.

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Albina Ferreira (ou “Bininha”, como é conhecida para os clientes da sua peixaria) concorda, mas acrescenta que se deveria baixar o preço dos combustíveis, para facilitar o transporte das mercadorias. Na sua banca, só há cinco produtos com 0% de IVA (dos seis peixes incluídos no cabaz de produtos essenciais). “Acho isto uma palhaçada. Se é IVA zero, porque é que não é em tudo?...”, pergunta. “As pessoas sentem-se enganadas pelo Governo. Isto é uma ‘geringonça’, mais uma ‘geringonça’.”

Numa banca ao lado, Maria Guedes faz compras na peixaria de Sara Araújo. A cliente, “para já”, mostra-se satisfeita com a medida: “Se não tiver o IVA, já ajuda...”, diz. Sara partilha da opinião: “É melhor do que nada, não vamos estar a reclamar...” Onde Sara Araújo viu mais o peso da medida foi no preço da sua encomenda. “Claro que notei muita diferença. Foi muito peixe, notei muito. Já dá uma ajuda para o dia, para a água e para a luz”, aponta.

Para aplicar as alterações ao IVA dos 46 produtos, os comerciantes tiveram de fazer alterações no sistema informático, pagas do seu bolso. Na peixaria da “Bininha”, a alteração foi feita ontem. Como não estava na banca quando o informático fez as alterações, ficou de pagar mais tarde. Ainda não sabe quanto, mas, segundo sondou os colegas, deverá rondar entre 30 e 50 euros.

Ricardo Moreira fez as próprias alterações no sistema informático, com ajuda da contabilista. O talhante queixa-se da complexidade do processo. “Eu tenho a contabilista que me ajuda nesse sentido. Mas se me perguntassem se conseguia fazer isso sozinho, não conseguia”, explica.

Entre os comerciantes, há quem considere que devia ter havido um período de adaptação mais longo para as mudanças serem feitas. Como estava previsto. No início, o Governo previu dar 15 dias aos retalhistas para aplicarem a isenção a partir do momento de entrada em vigor da lei. Porém, posteriormente, fixou-se que as mudanças seriam feitas num dia exacto.

A medida do IVA a 0% vai estar em vigor entre esta terça-feira e o dia 31 de Outubro.

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