Vereadora diz que arrendamento forçado de devolutos “não vai acontecer” em Lisboa

Filipa Roseta diz que medida prevista no pacote governamental Mais Habitação seria fonte de conflitos com privados e de problemas para os seus serviços, focados em aproveitar verbas do PRR.

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Filipa Roseta diz que a medida traz mais problemas do que soluções Nuno Ferreira Santos

A resposta é clara. O arrendamento coercivo de imóveis considerados devolutos, uma das medidas mais emblemáticas e polémicas do pacote governamental Mais Habitação, “não vai acontecer” em Lisboa. Quem o garante é Filipa Roseta, a vereadora responsável pelo pelouro, invocando a impossibilidade prática de cumprir tal ordem por incapacidade de resposta dos serviços técnicos da autarquia, ocupados que estão a implementar os projectos financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “Isso não vai acontecer, porque a nossa prioridade é execução do PRR”, disse Roseta, ao princípio da tarde desta quinta-feira, em declarações ao programa de entrevistas Interesse Público, emitido na plataforma Ao Vivo do PÚBLICO.

“Temos de estar focados em fazer os projectos financiados pelo PRR. Não vamos ter outra oportunidade assim. Esta tem de ser aproveitada. Há outras medidas que são mais problemas do que soluções. Não sei o que é que eles estão a imaginar. Somos o maior senhorio do país. Temos 23 mil fogos municipais e destes cerca de 13 mil precisam de intervenções de reabilitação. Imagine o que isto é. Um senhorio que tem 13 mil fogos a precisar de intervenção, ainda vai entrar em casa dos outros para resolver problemas. Já viu o absurdo que isto é?”, perguntou a vereadora, quando questionada pela jornalista Ana Sá Lopes, que conduz semanalmente o programa.

Instada a clarificar a sua posição, Filipa Roseta insistiu na impossibilidade de cumprir a medida. “Na verdade, o que tenho de fazer é tratar do meu património como maior senhorio do país. E para além destas 13 mil habitações a precisarem de intervenção, ainda tenho terreno expectante, onde posso construir mais. Temos ainda margem para construir sete mil habitações, que ainda não estão em projecto, porque isto demora”, afirmou a autarca, salientando que a sua missão é a de “pôr o património da câmara ao serviço das pessoas”. “Essa é a nossa missão, é aqui que devemos ter o nosso foco. Tudo o resto vai desfocar a nossa energia”.

Filipa Roseta considera que esse desfocar da engrenagem, como lhe chama, está relacionado não só com as dificuldades técnicas que a aplicação da medida iria trazer aos serviços por si tutelados, como também o enorme potencial de conflito que a mesma apresenta. “Vai parar tudo em tribunal, vai ser toda a gente a protestar com toda a gente”, afirma. A vereadora diz, por isso, que toda a energia dos seus serviços deve estar centrada na aplicação dos fundos do PRR, seja recuperando imóveis degradados do parque habitacional municipal, seja projectando mais prédios para os vir a colocar à disposição de quem deles mais precisa.

“Tudo o que não seja executar o PRR só vai dificultar, são coisas paralelas que distraem. Não podemos estar a distrair os meus funcionários, que estão completamente focados no PRR, pondo-os a fazer outras coisas”, disse, referindo-se ao papel que o Governo quer que os municípios desempenhem na identificação das casas consideradas devolutas, para forçar os senhorios a colocá-las no mercado de arrendamento. “Nem é uma questão de ser contra ideologicamente. O que peço é que não nos dêem mais problemas”, pediu.

Na mesma entrevista, a vereadora elencou as prioridades do município para combater os graves problemas habitacionais na capital, tendo como missão imediata, frisou repetidamente, “aproveitar” as verbas disponibilizadas para o sector pelo PRR – que a nível nacional rondam os três mil milhões de euros e na cidade de Lisboa prevêem a aplicação de 343 milhões de euros. “Quando chegámos, tínhamos duas mil casas vazias. Essa foi a nossa primeira prioridade e já entregámos mil habitações”, informou Roseta, destacando que, para além da disponibilização de habitações municipais até aqui vazias, os serviços que tutela estão fortemente empenhados em lançar projectos de construção de novos prédios camarários, para estarem prontos “daqui a dois ou três anos”. “A nossa energia está concentrada em fazer, até ao final do ano, tudo o que o PRR pode financiar”, asseverou.

Mas Filipa Roseta assume que “tem de haver vida para além do PRR”. Por isso, olha para outros instrumentos que permitam potenciar os terrenos expectantes que o município detém. “É aí que entram as cooperativas de habitação, com as quais podemos estabelecer parcerias de cedência de terrenos por 90 anos”, disse, recordando muito do que já havia dito aquando da apresentação da Carta Municipal de Habitação, a 23 de Fevereiro.

Nela, tal como hoje, e replicando o desejo então expresso por Carlos Moedas, foi garantido que o executivo vai insistir na apresentação da proposta de isenção de IMT, para os jovens até aos 35 anos que queiram comprar a primeira habitação, num valor até 250 mil euros – medida apresentada inicialmente, no final do ano passado, como parte do orçamento municipal para 2023, mas que acabou por ser chumbada com os votos contra dos vereadores da oposição. “Não vejo porque não devemos insistir. A propriedade da habitação é algo muito importante”, disse Roseta, lamentando o que considerou ser a “assimetria geracional” existente na posse de imóveis residenciais.

“Uma política de habitação tem de ter várias ferramentas, não apenas uma. Se tivermos só um tipo de ajuda às pessoas, se for apenas para os mais pobres, vamos ter guetos”, considerou, enfatizando o que considerou ser a imprescindibilidade de a Câmara de Lisboa oferecer uma diversidade de soluções, para assim acorrer às diferentes situações. E nessa estratégia, notou, o Subsídio Municipal de Arrendamento tem um papel de destaque. “É uma maneira muito rápida de ajudar as pessoas a ficarem nas suas casas. É um instrumento muito importante, porque é o único que é universal. A política de habitação da câmara não se pode reduzir a um sorteio”, disse, em referência aos métodos de atribuição de casas para os mais pobres, através dos bairros camarários, e para a classe média, através do Programa Renda Acessível.

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