Em Angeiras, os pescadores também colaboram na prevenção do lixo marinho

Matosinhos quer ouvir uma das suas comunidades mais antigas de pescadores para combater a poluição marinha. Na linha da frente, os homens do mar pedem a sensibilização dos mais velhos e apoio.

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A iniciativa vai ter a colaboração da Associação Mútua dos Armadores de Pesca de Angeiras Nelson Garrido

Uma “conversa salgada”. É assim que Manuela Álvares, vereadora da Câmara Municipal de Matosinhos, define a iniciativa que pretende juntar pescadores, investigadores e decisores locais na prevenção do lixo marítimo. “Todos juntos por um oceano sem lixo” é uma colaboração do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental (CMIA) de Matosinhos e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) com o município, que pretende sensibilizar as comunidades locais de pescadores para a poluição marinha e dar-lhes voz para encontrar soluções.

No primeiro de quatro momentos, que decorreu na tarde desta quinta-feira na sede da Associação Mútua dos Armadores de Pesca de Angeiras (MAPA), Sandra Ramos, investigadora do CIIMAR, moderou um debate sobre o lixo que vai parar aos oceanos ou que é retirado pelos pescadores, que estão na linha da frente do problema, transmitindo noções sobre o que pode (ou não) ser considerado lixo marinho e quais são as suas consequências.

Já não é a primeira vez que José Correia, presidente do MAPA, colabora com investigadores para acções de sensibilização e afirma que a maior vantagem deste tipo de iniciativa é “incutir nos colegas de trabalho mais antigos a mesma preocupação” que os mais jovens já demonstram ter. Ainda assim, o pescador alerta que sensibilizar tem de vir de mãos dadas com a criação de infra-estruturas que facilitem práticas sustentáveis.

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Sandra Ramos, investigadora do CIIMAR Nelson Garrido

“Claro que isto nos preocupa, mas e se não tivermos condições para recolher o lixo do mar? Temos de chegar aqui à praia e ter um lugar dentro da nossa zona de trabalho para depositar o lixo”, remata, em conversa com o PÚBLICO. Se, por um lado, iniciativas como a da Câmara de Matosinhos são “um incentivo”, por outro, é preciso mais para criar novos hábitos nos trabalhadores mais velhos de uma profissão “que está em decadência”. Se “só gostando é que se vem parar à praia” e se enfrenta o mar todos os dias, a poluição promete esgotar os recursos do oceano e reduzir lentamente as recompensas de quem está na linha da frente do imenso azul.

Mas “isso é o que dizem os estudos” e, segundo José Correia, quem passa os seus dias em alto-mar ainda não percepciona claramente o impacto que a poluição pode ter no futuro da sua actividade económica. “Só notamos nas pequenas coisas: um peixe com uma argolinha enrolada no corpo, outro que traz um bocadinho de rede e toda aquela variedade de lixo que apanhamos. E dá para perceber que a maior parte do lixo que encontramos no mar vem da terra”, conclui.

Pescadores a mostrar o caminho

A comunidade piscatória de Angeiras e a equipa de investigadores vão ter mais três encontros, cujo objectivo é trabalhar directamente sobre os maiores problemas identificados pelos pescadores e encontrar soluções para os mesmos, que vão desde a aplicação de novas práticas individuais a outro tipo de mudanças mais estruturais que podem ir desde a instalação de infra-estruturas que facilitem a tarefa de trazer o lixo do mar até outro tipo de incentivos para contribuírem na limpeza das águas e areal.

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Redes de pesca compõem grande parte dos resíduos encontrados no mar Nelson Garrido

Ainda não há data para a próxima sessão, que vai ser agendada nos próximos dias, mas este primeiro pontapé de saída promete colocar todos já com as mãos na massa. Nos planos dos investigadores e da autarquia, está também uma acção de limpeza da praia de Angeiras, que vai decorrer “ainda antes da época balnear”, diz Sandra Ramos.

No final, as soluções propostas pelos pescadores que participam neste projecto, e que agora deverão identificar alguns problemas nesta missão de limpeza, serão entregues ao município, para que este possa integrar estas ideias e actuar no âmbito local. Desta forma, além de agente activo neste projecto, a comunidade piscatória de Matosinhos é chamada a ser o motor da mudança.

Para Manuela Álvares, que esteve presente na sessão, a escolha da comunidade de Angeiras para a acção deve-se ao facto de esta ser “das mais antigas”. E faz questão de sublinhar que “sensibilizar para o lixo marinho é uma grande preocupação” de todos os envolvidos neste plano. Afinal, todos estão do mesmo lado, olhando para um mar que é essencial preservar limpo. Todos lucram com o objectivo de manter a qualidade e limpeza das águas.

E, se os métodos do CMIA e do CIIMAR soam familiares, é porque o são. “Todos juntos por um oceano sem lixo” é uma réplica do projecto NetTag, que tem financiamento da União Europeia e quer sensibilizar pescadores portugueses e espanhóis para a poluição marinha.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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