A tranquilidade do fratricídio

No pressentimento de tempos difíceis não há vitoriazinhas que sobrevivam. E muito menos tem interesse que sindicatos, sejam eles quais forem, se antecipem a outros.

Apesar de ser verdade que nas últimas semanas se escreveu muito acerca dos sindicatos de professores, a concepção de uma convergência sindical em torno dos interesses dessa classe profissional, enquanto estrutura articulada de contrapoder, é ainda alheia e estranha à esmagadora maioria dos professores.

Pelo contrário, a radicalização do discurso aponta para uma fragmentação da intervenção dos sindicatos, além de que a emergência de uma nova estrutura sindical (STOP.) tem sido aproveitada para instigar a supremacia nas acções de luta, ao invés de as agrupar e familiarizar com a ideia de "interesse corporativo". Ora, no pressentimento de tempos difíceis não há vitoriazinhas que sobrevivam. E muito menos tem interesse que sindicatos, sejam eles quais forem, se antecipem a outros. Da grande manifestação do dia 14 de Janeiro, convocada pelo STOP e sem tempo de reacção das outras federações, seria bom que alguém dissesse “estivemos lá todos”.

Não é de agora a crítica à atmosfera polarizada entre Fenprof e FNE, com uma ênfase que acentuava a excessiva carga ideológica de ambas as clássicas federações sindicais, cuja atitude sectária foi produzida e condicionada, em qualquer dos casos, pela atmosfera social e política pós-1974, bem audível no início dos anos 80. Havia quem conotasse a Fenprof com o PCP (e certas franjas radicais do PS) e alinhasse a FNE, segundo as ortodoxias do passado, com o PS mais moderado e o PSD. Aqueles que negavam isto avançavam habitualmente dois argumentos: nunca houve um estudo com base na correlação sindical e partidária, além de que não é possível provar que o sindicalismo dome o encanto escarninho do apartidarismo e do vazio ideológico, sobretudo o que se tem vindo a acentuar desde o início deste século.

Por outro lado, a diabolização da bipolaridade sindical é dificilmente apagável, e, sendo um dos traços dos assalariados do ensino simultaneamente o convívio com o mal-estar permanente com aumentos salariais diminutos e com cargas de trabalho superiores, não há qualquer razão para a criação de rivais internos, para não falar na transferência do antagonismo ao Ministério da Educação para as estruturas sindicais que os representam. Mário Nogueira, à conta da história de lhe ser imputado esquivar-se ao ensino, parece reunir mais anticorpos do que o próprio ministro da Educação.

Não sou contra a profissionalização do sindicalismo, contanto se revele uma vantagem corporativa: afinal, a minha luta não é contra os que me representam, a despeito de a sua eficácia nem sempre ser a melhor, mas contra ministros que, também o sabemos, usaram a indefinição e tranquilidade do fratricídio sindical e as fracas implicações de classe dos professores para mais a dividir.

Independentemente de quão importantes sejam as divergências e sensibilidades no universo sindical de professores – e sabemos como algumas estruturas não vão além do ridículo, quanto à razão da sua existência –, talvez não fizesse mal inventar medidas de sobrevivência desta classe de renúncia e pouco interessada no seu futuro e condição, mas que acorda sobressaltada quando a coisa está preta. Uma delas passa, a meu ver, pela criação de uma organização sindical única que agrupe as mais variadas sensibilidades políticas, partidárias (e independentes), ideológicas e sociais, e que, nessa medida, congregue a Fenprof, a FNE e o STOP (e outros), numa experiência de simultaneidade não unanimista nem simplista, e evite o degradante espectáculo de assalto ao poder e à orgânica da sucessão.

Admito ser indiferente aos milagres e às ilusões, bem como acredito que o tema levante a questão da ingenuidade. Mas teremos de fazer um esforço psicológico considerável para nos habituarmos à ideia de que apenas nos sobra a vaidade dos troféus que cada um dos sindicatos contabiliza e triunfalmente brande em função dos congéneres – quando todos “somos”, afinal, professores. Aí reside o descrédito e a baixa taxa de filiações.

É preciso mais. E mais é menos. Mas maior.

Só depois de afastados da servidão e da exploração, dizia Orwell, começaremos realmente a fazer perguntas quanto ao nosso destino.

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