Vai ficar tanto frio nos EUA, que as iguanas podem cair das árvores
O frio do “ciclone-bomba” que está a chegar aos Estados Unidos pode afectar os animais de sangue frio. As iguanas podem cair das árvores e é possível que tartarugas marinhas dêem à costa.
Neste Natal, tenha cuidado com as iguanas cadentes se mora no Sul da Florida, nos Estados Unidos. A sério.
Esta semana, está prevista uma tempestade que poderá trazer neve, ventos fortes e frio árctico para os 48 estados contíguos dos EUA. Cerca de 70 milhões de pessoas estão sob tempestades de Inverno ou sob avisos no Centro-Oeste, Grandes Lagos e nas Apalaches, enquanto 90 milhões estão sob alertas de arrefecimento causado pelo vento.
Além do impacto nas pessoas, espera-se também que o ar gelado imobilize os animais de sangue frio. As iguanas que dormem em árvores podem perder a sua aderência aos ramos e cair no chão. As tartarugas marinhas podem ficar paralisadas e ser trazidas pelo vento para terra, do Texas até à região de Nova Inglaterra (que abrange os estados de Maine, Vermont, New Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island).
"O ambiente muda, e os organismos que o sentem primeiro e de forma mais dura são os animais de sangue frio, porque toda a sua aptidão física é termicamente dependente", afirma Martha Muñoz, bióloga evolutiva da Universidade de Yale.
À medida que as temperaturas descem, os especialistas em vida selvagem preparam-se para resgatar e observar os efeitos do frio gelado em alguns dos répteis que podem ser afectados.
Este fim-de-semana, espera-se que grande parte da Florida mergulhe na parte negativa dos termómetros (podendo variar entre os três e os -1ºC). A maioria dos lagartos em Miami, introduzidos em climas mais quentes da América Central e do Sul, ficam demasiado frios para se moverem quando as temperaturas do ar descem abaixo de cerca de sete graus Celsius.
As tartarugas marinhas, cobras e outros répteis são conhecidos por ficarem atordoados com o tempo gelado, mas a chuva de iguanas é única no Sul da Florida.
Por vezes, o Serviço Meteorológico Nacional em Miami emite anúncios de "queda de iguanas" para enfatizar o frio severo e transmitir às pessoas que os lagartos não estão, de facto, mortos. O congelamento é temporário na maior parte das vezes. Quando as temperaturas sobem, alguns acordam e retomam a sua actividade normal. No passado, as pessoas transportaram iguanas congeladas, pensando que estavam mortas, na traseira de um carro para obter a sua carne, apenas para que os lagartos descongelassem e os atacassem. (Portanto, talvez seja melhor não fazer isso.)
"Alguns outros lagartos também são conhecidos por caírem das árvores como acontece com as iguanas, mas não ganham a mesma fama que um lagarto de um metro e meio recebe", comenta Jonathan Losos, biólogo evolutivo da Universidade de Washington em St. Louis (no Missouri).
Iguanas mais resistentes ao frio
Mas há investigadores e especialistas em animais que dizem que as baixas temperaturas não parecem incapacitar tanto as iguanas como era costume, sugerindo que os animais começam a adaptar-se ao clima mais frio. Ainda é possível ver iguanas a cair durante a próxima vaga de temperaturas gélidas, mas não tanto como há duas ou três décadas, observa Ron Magill, do zoo de Miami.
"A cada ano que passa, quando temos uma vaga de frio, vejo cada vez menos iguanas a cair das árvores e a ficarem paralisadas pelo frio... e não é porque há cada vez menos iguanas", diz. "É apenas indicativo de que estes animais estão, de facto, a adaptar-se. Cada vez menos estão a sucumbir a este tipo de diferencial de temperatura."
As iguanas, como todos os animais de sangue-frio, não podem gerar o seu próprio calor corporal; a sua temperatura interna corresponde à do seu ambiente. Para que sobrevivam a climas mais frios, abrandam os processos corporais, incluindo a circulação sanguínea e o seu batimento cardíaco, ao ponto de poder parar. Magill disse que passam de uma cor verde brilhante para um cinzento escuro ou preto, e os seus olhos ficam cavados. Se não aquecerem a tempo, podem morrer.
"Quando se tem um grande período de tempo gélido, as iguanas que não sobrevivem não passam esses seus genes", explica Magill. "As iguanas que conseguiram sobreviver, quer seja entrando na água ou permanecendo no subsolo, descobrindo uma forma de se isolarem do frio, passam os seus genes."
Os estudos confirmam que alguns répteis estão a ficar mais aptos para lidar com temperaturas extremas. Num estudo, uma equipa de investigadores da Universidade de Washington em St. Louis, liderada por Losos, recolheu lagartos em Miami depois de a Florida ter passado pela sua noite mais fria numa década, em Janeiro de 2020. A equipa encontrou várias espécies de lagartos capazes de tolerar agora temperaturas muito mais baixas – cerca de quatro a dez graus mais frias do que anteriormente.
Outro estudo analisou as tolerâncias térmicas e os genomas dos lagartos da espécie Anólis que sobreviveram a um evento de frio extremo no Texas durante o Inverno de 2013/2014. A equipa descobriu que os lagartos do Sul possuíam expressões genéticas semelhantes às das populações do Norte, que passavam mais frequentemente por vagas de frio. Os lagartos verdes tiveram uma rápida selecção e evolução para tolerar esses períodos de temperaturas gélidas.
"Não é raro observar uma rápida adaptação fisiológica ao frio", afirma Muñoz. "Isso não significa necessariamente que seja um resultado universal ou uma conclusão inevitável, mas pode acontecer e acontece.”
Mas as rápidas adaptações nas populações de iguana são más notícias para quem vive na Florida, segundo Magill. As iguanas, como muitas espécies invasoras no estado, são consideradas pragas. Devoram plantas nativas e transmitem parasitas a animais selvagem e aos seres humanos. Se nos aproximarmos, podem também arranhar ou chicotear com a cauda. É por essas razões que se pede às pessoas que evitem aproximar-se de qualquer lagarto paralisado pelo frio.
"Um longo período de frio é uma das melhores armas que temos contra eles", diz Magill. "Deixem a natureza seguir o seu curso.”
Tartarugas marinhas não se estão a adaptar ao frio
No entanto, outros répteis não parecem estar a adaptar-se às temperaturas frias da mesma forma que os lagartos.
Nos últimos anos, grandes quantidades de tartarugas-verdes marinhas ameaçadas de extinção no Texas têm dado à costa durante as vagas de frio extremo. Durante a histórica tempestade de Inverno em Fevereiro de 2021, cerca de 13 mil tartarugas ficaram paralisadas pelo frio, e cerca de 4 mil dessas tartarugas sobreviveram. Outras 300 tartarugas afectadas foram resgatadas durante um período de frio em Fevereiro de 2022.
Espera-se que o evento deste fim-de-semana tenha um impacto nas tartarugas marinhas tão mau como em Fevereiro deste ano, quando centenas ficaram paralisadas, mas não tão mau como o evento de 2021, que afectou milhares, de acordo com um modelo de previsão de Philippe Tissot na Universidade do Texas A&M em Corpus Christi. Estima-se que o evento comece na sexta-feira e continue pelo menos até sábado e domingo, escreveu num e-mail. As temperaturas na parte superior da Laguna Madre, no Texas, deverão descer até quatro graus Celsius; as tartarugas marinhas começam a perder a função abaixo dos dez graus.
"Não se estão a adaptar", afirma Donna Shaver, chefe do departamento de ciência e recuperação das tartarugas marinhas para o Serviço Nacional de Parques no Padre Island National Seashore.
Shaver observa que ocorreram mais eventos de paralisia nos últimos anos, mas acrescentou que isso pode ser devido à existência de mais tartarugas-verdes na área. À medida que as populações cresceram, Shaver nota que algumas das tartarugas-verdes à volta da ilha Padre também podem ter viajado de mais longe para sul, onde provavelmente não estão adaptadas às explosões de frio.
Donna Shaver e a sua equipa já se estão a preparar para o potencial evento de paralisia deste fim-de-semana. Vão vigiar baías onde os ventos podem levar as tartarugas paralisadas para terra, pedindo a ajuda de outros parceiros governamentais, voluntários, barqueiros ou qualquer pessoa da comunidade que veja uma. As tartarugas serão trazidas para o laboratório de Shaver para se aquecerem e serão libertadas quando for seguro. Se as tartarugas não forem encontradas suficientemente depressa, explica, poderão ser alvo de ataque no seu estado paralisado por pássaros ou coiotes. As que ficam severamente feridas são eutanasiadas e enviadas para investigação.
"Só temos de ir lá fora, resgatá-las e recuperar o maior número possível", conclui Shaver, que trabalha como coordenadora da Sea Turtle Stranding and Salvage Network do Texas.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post