UE fixa tecto de 180 euros para mecanismo de correcção do preço do gás

Os ministros da Energia da União Europeia fecharam o acordo para aprovar um pacote de emergência para intervir no mercado do gás.

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Comissária europeia de Energia reuniu-se com ministros da Energia dos Estados-membros, nesta segunda-feira. EPA/OLIVIER HOSLET

À sexta foi de vez. Depois de três meses de negociações, os ministros da Energia da União Europeia conseguiram finalmente fechar um acordo político para aprovar um pacote de emergência para intervir no mercado do gás, que inclui um novo mecanismo temporário de correcção dos preços. Este instrumento será accionado sempre que a cotação no índice TTF ultrapassar 180 euros por megawatt hora (MWh) durante mais de três dias úteis consecutivos.

Como numa espécie de leilão (mas ao contrário), os ministros tiveram de regatear o preço de referência para a activação do mecanismo, que foi sendo sucessivamente revisto do valor máximo de 275 euros por MWh que constava na proposta da Comissão Europeia, até aos 180 euros — ainda bastante acima do tecto de 160 euros que Estados-membros como a Grécia ou a Roménia queriam ver aplicado, para garantir que este novo instrumento não fica só no papel.

“Custou chegar aqui”, reconheceu o secretário de Estado da Energia, João Galamba, no final da reunião, esta segunda-feira, em Bruxelas. “Um grupo de países considerava o preço demasiado alto e outro grupo entendia que era demasiado baixo. Havia minorias de bloqueio dos dois lados”, revelou, focando-se no resultado final da negociação. “O importante foi ter-se chegado a um valor significativamente mais baixo do que a proposta inicial da Comissão”, considerou.

Quando apresentou a sua proposta, a 22 de Novembro, a comissária europeia da Energia foi pressionada a explicar se este novo mecanismo poderia ter servido para controlar o preço do gás em Agosto, quando a cotação bateu nos 320 euros por Mwh — Kadri Simson evitou uma resposta definitiva, mas concedeu que seria muito “improvável”. “Esta não é uma ‘bala de prata’ para fazer descer os preços ou para fixar um preço artificialmente baixo no mercado”, justificou.

Com as condições agora definidas, o mecanismo de correcção de mercado teria funcionado para travar a escalada do preço no Verão, quando os Estados-membros se viram obrigados a acelerar as suas compras para preencher a capacidade de armazenamento até ao início de Novembro.

“Este é um instrumento para prevenir episódios de preços excessivos que não reflectem os preços do mercado, como vimos acontecer no Verão”, afirmou a comissária da Energia, que elogiou o “passo ambicioso” dos ministros da UE. “Com este mecanismo, a Europa estará mais bem preparada quando começar a próxima época de armazenamento para o Inverno, que como já sabemos terá condições mais difíceis do que tivemos entre ano”, indicou.

Após máximo de Agosto, o preço do gás tem vindo a baixar de forma sustentada: em Setembro, o máximo foi de 229 euros por MWh, em Outubro foi 186 euros e em Novembro 146 euros. Esta segunda-feira, minutos antes do anúncio do acordo, o preço do gás no índice TTF — o Mecanismo de Transferência de Títulos da bolsa holandesa, que serve de referência para as importações da Europa — fechou nos 106 euros por MWh.

O preço do gás no índice TTF — o Mecanismo de Transferência de Títulos da bolsa holandesa, que serve de referência para as importações da Europa — fechou nos 115 euros por MWh na última sexta-feira.

Para além de mexerem no preço máximo para a aplicação do mecanismo de correcção, os ministros tiveram de rever outros elementos da proposta do executivo comunitário, nomeadamente o período de tempo em que a negociação no TTF terá de ultrapassar o tecto fixado, que baixou de duas semanas para três dias úteis consecutivos.

A outra emenda diz respeito ao valor do “prémio” (ou spread, como referem fontes europeias) que a UE está disposta a pagar pelo abastecimento de gás natural liquefeito para evitar o desvio da produção para outros mercados concorrentes: o Conselho da UE baixou a fasquia dos 58 euros previstos pela Comissão no seu texto original para os 35 euros.

Um valor que, como sublinhou a ministra espanhola para a Transição Energética, Teresa Ribera, mantém a UE como um mercado atractivo para os exportadores.

O modelo desenhado pela Comissão para a activação do mecanismo de correcção implica o cumprimento destes dois critérios em simultâneo: um preço absoluto dos derivados para o mês seguinte no índice TTF (a referência para os contratos de longo prazo do mercado grossista) acima do tecto de 180 euros por MWh, e ainda uma divergência face à cotação média do GNL no mercado global superior a 35 euros.

O sistema não se aplica à chamada “negociação OTC [Over the Counter]”, que se mantém como uma válvula de escape e de garantia de fornecimento para os casos de anomalias ou cortes inesperados no abastecimento. O mecanismo é activado e desactivado automaticamente, embora a Comissão possa requerer a sua suspensão, se constatar efeitos adversos como o aumento do consumo de gás ou um impacto negativo nos mercados financeiros com a sua aplicação.

A Alemanha, que no início da negociação se manifestou contra a proposta, acabou por ceder, depois de conseguir arrancar “uma série de salvaguardas e mecanismos de monitorização”. Ainda assim, o ministro para os Assuntos Económicos e Acção Climática, Robert Habeck, não deixou de dar conta do seu “cepticismo” de que “um mecanismo para limitar o preço do gás seja o caminho certo”. “Mas agora concordámos com isto, por isso está tudo bem”, observou.

Num reconhecimento dos potenciais riscos associados a uma intervenção no funcionamento do mercado, a França propôs um compasso de espera na entrada em vigor do mecanismo, para que a ACER possa levar a cabo um estudo de impacto — será a 15 de Fevereiro e já não a 1 de Janeiro, como previa a Comissão.

Desfeito o impasse quanto ao mecanismo de correcção de preços, adoptado por maioria qualificada com o voto contra da Hungria e a abstenção da Áustria e dos Países Baixos, os ministros da Energia aprovaram outros dois textos legislativos que tinham ficado “pendurados” enquanto não se resolvia a questão do tecto máximo para o gás. Um tem que ver com a agregação da procura e a compra conjunta de gás, através de uma nova plataforma europeia que negociará pelo menos 15% da capacidade nacional de armazenamento de cada Estado-membro interessado em participar (a adesão a este esquema de aquisição conjunta em consórcio é voluntária).

Essa proposta define ainda um quadro genérico para a solidariedade entre os Estados-membros, que terão regras uniformes para a partilha de reservas de gás em situações de crise como disrupção do mercado ou interrupção do fornecimento.

O outro regulamento que também recebeu luz verde (ainda que com a abstenção da Hungria) diz respeito à aceleração do licenciamento de projectos de energias renováveis.

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