Greta diz que a Alemanha deve manter as suas centrais nucleares e a direita regozija-se

Palavras da activista climática são usadas para reforçar o argumento de que as centrais devem ser usadas para lá do prazo e servem para atacar o partido Os Verdes.

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A entrevista de Greta Thunberg (ao centro) foi aproveitada pelos políticos alemães que são contra a saída do nuclear FILIP SINGER/EPA

O prolongamento da utilização das três centrais nucleares que ainda estão a funcionar na Alemanha é um tema que está a criar muita discussão. E a sueca Greta Thunberg aterrou no meio dessa polémica, com declarações que reforçam a posição dos partidos de direita. “Uma vez que as centrais nucleares já existem, penso que seria um erro encerrá-las e virarmo-nos para as [centrais] a carvão”, disse, numa entrevista à televisão pública ARD, a fundadora do movimento Fridays for Future.

O ministro da Economia e da Acção Climática, Robert Habeck, do partido Os Verdes, anunciou em Setembro que três últimas centrais nucleares da Alemanha deveriam encerrar definitivamente no final deste ano, como previsto no plano de abandono da energia nuclear, decidido após o acidente na central de Fukushima, no Japão, em 2011. Duas delas, no Sul do país, seriam desligadas da rede eléctrica, mas mantidas num estado de prontidão até Abril de 2023, para que possam ser reactivadas rapidamente. A medida pretende garantir que não falte electricidade durante este Inverno, mesmo com o corte do abastecimento de gás russo.

O que acontece para lá de Abril

Mas os partidos de direita exigem que as centrais nucleares continuem a funcionar bem para além de Abril, incluindo o Partido Liberal Democrata (FDP), que faz parte da coligação governamental tripartida (FDP, sociais-democratas do SPD e Verdes). Esta discussão é um dos sintomas das grandes mudanças que a Alemanha está a fazer para se adaptar ao mundo pós-invasão da Ucrânia pela Rússia.

O ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, disse ter ficado muito satisfeito com “o encorajamento” de Greta Thunberg. “Nesta guerra da energia, tudo o que crie capacidade de geração de electricidade tem de ser ligado à rede”, afirmou, citado pelo site Politico.

O Governo alemão anunciou um pacote de 200 mil milhões de euros para proteger a competitividade das empresas alemãs e os consumidores individuais do aumento de preços da energia, que, apesar de ainda não ter sido totalmente definido, suscitou críticas de outros países da União Europeia, que pedem uma resposta conjunta dos Vinte e Sete.

A entrevista de Greta Thunberg à jornalista Sandra Maischberger foi transmitida na quarta-feira, mas um teaser com esta frase da sueca começou a circular nas redes sociais um dia antes, gerando reacções acaloradas dos que defendem a energia nuclear – e que mais facilmente a criticariam do que elogiariam as suas declarações. Usam-na como prova de que ela se está a dissociar da política do partido Os Verdes alemão, cujo congresso anual decorre neste fim-de-semana.

“Tal como Greta Thunberg, penso [que é preciso utilizar as nossas centrais nucleares] pelo menos até ao fim de 2024”, disse o líder do partido de centro-direita CDU, Friedrich Merz, citado pelo diário francês Le Monde. A jornalista com quem Merz falava fez-lhe notar que a militante climática sueca não tinha mencionado qualquer data, mas o político alemão não se atrapalhou: disse que estava a “ser mais rigoroso do que ela” sobre o calendário, e que de qualquer forma o cerne da questão era outro: “O debate que temos actualmente sobre os preços da energia seria menos importante se tivéssemos uma oferta mais ampla”, declarou Merz.

Até a extrema-direita – o partido Alternativa para Alemanha (AfD) – se aproveitou das declarações de Greta Thunberg, usando-as para atacar Os Verdes. “Enquanto Ricarda Lang [presidente dos Verdes] continua agarrada à saída do nuclear, Greta Thunberg considera agora que o encerramento das centrais nucleares é um erro. Greta está a crescer, e Ricarda continua encerrada numa ingenuidade infantil”, disse Alice Weidel, líder da AfD.

Esta posição de Greta Thunberg sobre o nuclear não representa propriamente uma mudança. Por um lado, está a defender que não se utilizem centrais a carvão, que produzem grande quantidade de emissões de gases com efeito de estufa. E num texto publicado em 2019 no Facebook, a activista climática afirmava ser contra a energia nuclear “a título pessoal”, salienta o Le Monde. Mas, acrescentava ainda, “segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas [IPCC], a energia nuclear pode contribuir para um novo mix energético sem carbono, em particular nos países que não podem ter energias renováveis em grande escala – ainda que seja extremamente perigosa e cara”.

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