Hong Kong: cinco terapeutas da fala considerados culpados de sedição por livros infantis “antigoverno”

Os cinco especialistas foram acusados de publicar três livros ilustrados que os procuradores disseram promover o separatismo e incitar ao ódio e à oposição ao Governo de Xi Jinping.

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Num dos livros, os lobos querem ocupar uma aldeia e comer as ovelhas Reuters/TYRONE SIU

Cinco terapeutas da fala de Hong Kong foram considerados culpados, nesta quarta-feira, de uma conspiração para publicar livros infantis sediciosos que foram acusados de disseminar ideias antigovernamentais. A decisão foi denunciada por activistas de direitos humanos como um golpe à liberdade de expressão no território sob administração chinesa.

Lorie Lai, Melody Yeung, Sidney Ng, Samuel Chan e Marco Fong, com idades entre os 25 e 28 anos, declararam-se inocentes e optaram por não testemunhar nem convocar quaisquer testemunhas. As penas aplicadas aos cinco jovens, todos membros da União Geral de Terapeutas da Fala de Hong Kong, serão conhecidas este sábado.

Os livros ilustrados em causa referem acontecimentos reais, incluindo os protestos em massa pró-democracia de 2019, bem como a situação de 12 manifestantes pró-democracia que fugiram de Hong Kong de lancha em 2020 e foram capturados pela guarda costeira chinesa. Num dos livros, os lobos querem ocupar uma aldeia e comer as ovelhas, que por sua vez decidem defender-se e ripostar.

Num resumo escrito, o juiz do Tribunal Distrital Kwok Wai Kin disse que os três livros eram sediciosos, não apenas pelas palavras “mas pelas palavras intencionais e direccionadas à mente das crianças”. "Ser-lhes-á dito que, de facto, eles são as ovelhas, e que os lobos que estão a tentar prejudicá-los são o Governo da República Popular da China e o Governo de Hong Kong”, escreveu Kwok, que faz parte de um painel de juízes de segurança nacional seleccionados pelo líder da cidade.

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REUTERS/Tyrone Siu

Os livros foram disponibilizados gratuitamente em várias livrarias locais e houve versões digitais a circular online. A procuradora Laura Ng disse que os livros tinham elementos antichineses que poderiam incitar o “ódio” contra Pequim.

Os advogados de defesa argumentaram que as ovelhas e os lobos nos livros eram fictícios e que o conceito de sedição é demasiado amplo e “causa um efeito arrepiante” nas liberdades.

Anson Wong, advogado de defesa de Sidney Ng, citou um relatório do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que tinha instado as autoridades a revogar a lei de segurança e a evitar a sua utilização em casos de sedição, uma vez que havia uma “interpretação demasiado ampla” e uma “aplicação arbitrária” da lei.

Outro advogado de defesa, Robert Pang, disse ao tribunal que se as pessoas fossem impedidas de apresentar diferentes narrativas de um evento, então a verdade ficaria “escondida”. “Cada um tem direito a ter as suas próprias opiniões e à forma como o conjunto particular de factos é interpretado. Há muitos pontos de vista diferentes sobre a forma como os acontecimentos históricos devem ser vistos.”

Os críticos dizem que as autoridades utilizaram os delitos de sedição da era colonial britânica como um instrumento para silenciar as críticas legítimas ao governo, e para sufocar a liberdade de expressão.

Numa declaração após a condenação, o grupo de direitos humanos Amnistia Internacional apelou à libertação imediata dos cinco, dizendo que o uso de leis “arcaicas” de sedição era um “acto descarado de repressão". “Escrever livros para crianças não é um crime, e tentar educar as crianças sobre acontecimentos recentes na história de Hong Kong não constitui uma tentativa de incitar à rebelião”, afirmou.

O Governo de Hong Kong não respondeu imediatamente às perguntas da Reuters para comentários.

As autoridades afirmaram que todos os indivíduos em Hong Kong são acusados com base em provas — e que a lei de segurança nacional trouxe estabilidade após os protestos pró-democracia.

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