Ordem dos Médicos pede medidas estruturais. “Há o risco de haver urgências sem médicos para trabalhar”

Médicos internos frisam indisponibilidade para trabalhar mais do que as 150 horas extraordinárias por ano. Ordem dos Médicos pede soluções à tutela. “Temos de dar outras condições de trabalho às pessoas. Não se pode olhar para os médicos internos como se fossem os escravos do sistema.”

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Miguel Guimarães alerta que "não se pode olhar para os médicos internos como se fossem os escravos do sistema" Paulo Pimenta

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães, pediu esta segunda-feira ao Governo que tome medidas estruturais e concretas para atrair os médicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para fixar os actuais médicos internos, futuros especialistas, no serviço público de saúde. Miguel Guimarães lembrou: “Há o risco de haver urgências sem médicos para trabalhar.”

“Temos de dar outras condições de trabalho às pessoas. Não se pode olhar para os médicos internos como se fossem os escravos do sistema. Isto não é possível nem aceitável num país democrático”, disse o bastonário em conferência de imprensa na secção regional do Norte da OM, no Porto, no final do encontro com os 20 representantes dos 482 médicos internos (ou seja, que estão a fazer a formação na especialidade) de Medicina Interna, de todo o país, que assinaram uma carta enviada ao Ministério da Saúde na qual exigem melhores condições de trabalho e formativas e recusam a realização de mais de 150 horas extraordinárias por ano.

A carta foi entregue a 19 de Agosto, na altura com 416 assinaturas dos 1061 internos da especialidade e esse universo corresponde agora a “quase 50% dos médicos internos de Medicina Interna do país”, referiu Miguel Guimarães. Nessa carta, os médicos internos comunicam a indisponibilidade para realizar mais de 150 horas extraordinárias por ano e dão conta de que, face às exigências laborais, consideram que a formação dos internos “se encontra comprometida”, uma vez que estão constantemente a assegurar as escalas de urgência, “desdobrando-se em turnos que deveriam ser garantidos por especialistas, em claro incumprimento dos critérios de idoneidade formativa de Medicina Interna”. A mesma intenção foi manifestada também por 110 internos de Ginecologia e Obstetrícia numa outra carta enviada à ministra da Saúde, Marta Temido, no início deste mês.

Por sua vez, o bastonário dos médicos exigiu a tomada de medidas concretas pelo Ministério da Saúde para que o SNS “fique mais atractivo, mais competitivo e capaz de dar resposta”, ao mesmo tempo que lembrou que “há o risco de haver urgências sem médicos para trabalhar”.

Mais de metade dos médicos fora do SNS

“Estamos numa situação passiva no Serviço Nacional de Saúde há demasiados anos. É preciso actuar. É preciso agir. É preciso fazer as reformas que são necessárias para que estes jovens internos sejam os especialistas de amanhã. O que a Ordem dos Médicos quer é que estes internos optem por ficar a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde”, explanou.

Miguel Guimarães disse também que existe em Portugal um número “suficiente” de médicos para dar a resposta necessária, “e nem se precisaria de todos os médicos”. “Mas a verdade é que, neste momento, temos mais de 50% dos médicos que formamos fora do SNS, seja no sector privado, sejam médicos que tomaram outras opções e que foram trabalhar para fora do país. Nós temos é de conseguir uma taxa de opção de cerca de 80% para os médicos ficarem no SNS e termos os médicos suficientes”, explicou.

Mas isso não se consegue “com as medidas que o Governo tem tomado” nem “não respeitando os médicos como eles devem e merecem ser respeitados”. “Não se consegue isto sem implementar medidas estruturais para dar ao SNS outra capacidade competitiva”, rematou.

A carta à ministra da Saúde por parte dos internos de Medicina Interna surgiu ao mesmo tempo que o Governo aprovou um regime temporário de remuneração do trabalho suplementar dos médicos em serviços de urgência, mas Miguel Guimarães procurou sublinhar que não é a componente financeira que está em causa.

“Não estamos a falar de dinheiro. Se a senhora ministra pensou que com aquela fórmula mágica de pagar à hora o mesmo que pagava a médicos tarefeiros e prestadores de serviço, resolvia a situação, não resolve. Isso é justiça e equidade. Temos de meter a mão na massa e fazer acontecer. Não é fazer planos e comissões de acompanhamento”, concluiu.

Quanto às conclusões da reunião desta segunda-feira, a OM assegurou que vai apresentar um ofício à ministra da Saúde com um resumo dos depoimentos recolhidos e das medidas que aquele organismo considera importantes.

Ainda esta segunda-feira, em entrevista ao PÚBLICO, o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, um órgão consultivo da Ordem dos Médicos, Carlos Mendonça, notou que os médicos internos, que são “o pilar dos serviços de urgência”, estão cansados e acenar-lhes com mais dinheiro pelas horas extraordinárias “não basta”. “Se todos os internos deixassem de fazer urgência durante uma semana, dificilmente seria possível manter os serviços de urgência nos moldes actuais.”

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