Augusto Santos Silva admite candidatura a Belém: “Não rejeito nada”

O confronto com o Chega tem valido a Santos Silva palmas de quase todos os partidos. Em entrevista à RTP2, só não foi mais longe na admissão de uma candidatura a Belém por ser “desrespeitoso” para a Assembleia e para Marcelo. Falará em 2025.

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O combate ao Chega tem valido a Santos Silva palmas de quase todos os partidos para lá do PS LUSA/TIAGO PETINGA

Augusto Santos Silva foi bastante claro a admitir vir a ser candidato presidencial em 2026. Claro que o fez na estranha linguagem dos políticos, que precisa de tradução. Esta quinta-feira, à pergunta do jornalista da RTP2 sobre se “rejeitava em absoluto” ser candidato a Belém respondeu: “Eu não rejeito nada em absoluto porque se rejeitasse coisas em absoluto não teria procurado servir o meu país nas ocasiões em que foi necessário e nos lugares em que se entendeu que poderia ser mais útil.”

E só não fala mais sobre o assunto porque “seria duplamente desrespeitoso dizer mais do que isto”. “Seria desrespeitoso com os deputados e seria desrespeitoso com o actual Presidente da República, que tem exercido o seu múnus com o reconhecimento que os portugueses lhe dão.” Portanto, Augusto Santos Silva só falará mais claramente em 2025: “Cada coisa na sua vez. Lá para 2025 começaremos a falar de Presidenciais.”

Na verdade, estes primeiros quatro meses de mandato como presidente da Assembleia da República (AR) têm sido para Santos Silva uma espécie de making of de uma candidatura presidencial, em que a sua relação fria e determinada com o Chega tem tido relevo especial e esta quinta-feira passou por mais um teste. Interrompeu André Ventura, que atacava os imigrantes (“como presidente da Assembleia considero que Portugal deve muito, mas mesmo muito, aos milhares de imigrantes”) e perante a acusação de ser “o líder parlamentar do PS” feita por Ventura, respondeu: “Não me impressiono com pateadas nem com volume de som. Estou há muitos anos empenhado na defesa da democracia e da liberdade e assim continuarei até ao fim dos meus dias.”

A 29 de Março, no primeiro discurso como presidente da AR, foi dado o mote sobre a sua relação com o partido de extrema-direita, cujas propostas anticonstitucionais tem travado. “O ódio não terá lugar no Parlamento” e “o patriotismo só medra no combate ao nacionalismo” foram duas das frases-chave. Nada do que aconteceu no Parlamento esta quinta-feira, quando o presidente da AR interrompeu a catilinária de André Ventura poderia ser surpresa para ninguém – Santos Silva tinha prometido que a sua reacção a qualquer discurso xenófobo seria assim.

Foi no mesmo texto em que fez o enorme elogio “à língua de tantas pátrias”, um dos temas favoritos da sua ainda curta presidência da AR, que prometeu que haveria de ser “imparcial, contida e aglutinadora”. Se voltarmos a ouvir o discurso agora, quatro meses depois, fica evidente que o que disse Augusto Santos Silva naquele 29 de Março poderia tanto ser de uma segunda figura do Estado, como de um candidato a primeira figura do Estado. Faltam quatro anos, mas Augusto Santos Silva já admite a possibilidade. E duas recentes sondagens já o incluíram no lote de potenciais candidatos.

O homem que foi quase tudo

O foco na língua portuguesa, nas comunidades espalhadas pelo mundo, na CPLP, são prioridades do homem que já foi quase tudo em governos do PS. Foi uma das estrelas dos famosos Estados Gerais de António Guterres – quando o então secretário-geral do PS, nos idos 90, captou para o PS figuras da sociedade civil, neste caso da Faculdade de Economia do Porto, e acabou no segundo Governo Guterres como secretário de Estado da Administração Educativa.

Seguem-se depois postos variados: ministro da Educação de Guterres; ministro dos Assuntos Parlamentares e depois da Defesa com José Sócrates; quando forma Governo, António Costa convida-o para ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo em que se manteve até, depois de o Governo cair, ter preferido, no novo ciclo, a função de presidente da AR.

Se é verdade que é o primeiro presidente do Parlamento que chega ao cargo depois de ter sido eleito deputado pelo círculo da emigração fora da Europa, não deixa de ser interessante que tenha dedicado o discurso do 25 de Abril às comunidades portuguesas, fundamentais no currículo de candidatos a Presidente. Passou o 10 de Junho no Canadá – enquanto Marcelo esteve em Londres e Costa não o pôde acompanhar por estar doente.

Mas aqui há um acordo entre as três figuras do Estado: no próximo 10 de Junho, Marcelo e Costa estarão junto das comunidades portuguesas num país não europeu e Santos Silva estará junto dos emigrantes portugueses algures na Europa. Nas suas viagens enquanto presidente da Assembleia, escolhe preferencialmente países com comunidades portuguesas significativas. Acompanhará o Presidente da República ao Brasil para a comemoração dos 200 anos da independência.

O combate à xenofobia do Chega, anunciado logo no discurso de posse, ajudará a consolidar a imagem à esquerda de um militante do PS com perfil centrista (houve já, através de artigos de jornais, algum confronto ideológico com Pedro Nuno Santos). Aliás, é o primeiro presidente da AR a ser alvo de “censura” de um partido, num projecto de resolução recentemente apresentado “de censura ao comportamento do presidente da AR por não ter a imparcialidade e isenção exigíveis para o desempenho do cargo”.

O combate ao Chega tem valido a Santos Silva palmas de quase todos os partidos para lá do PS. Se esta popularidade parlamentar lhe vai servir para as Presidenciais não se sabe. Para já, as sondagens não o dão com grandes possibilidades, mas Mário Soares também partiu com 8%.

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