ARS de Lisboa e Vale do Tejo admite enviar algumas grávidas para maternidades privadas

Hospitais privados fizeram mais de 14 mil partos em 2020, um sexto do total. Dois terços foram por cesariana.

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Têm-se registado vários constrangimentos nas urgências obstétricas Manuel Roberto

O presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Luís Pisco, admitiu a hipótese de recorrer ao sector privado para atenuar o problema da falta de médicos que está a provocar encerramentos e constrangimentos no funcionamento de vários serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia dos hospitais públicos da região.

Em entrevista à RTP, Luís Pisco revelou que os responsáveis dos hospitais privados “manifestaram total abertura” para, “em complementaridade com o Serviço Nacional de Saúde, e nos momentos em que tivermos dificuldade de resposta, por exemplo aos fins-de-semana, poder haver um acordo de colaboração com as três maternidades [privadas] que existem em Lisboa”, fazendo estas alguns partos. A ARS está já a “trabalhar” num acordo para regular esta colaboração. Luís Pisco refere-se às maternidades dos três grandes grupos privados de saúde em Portugal.

Os hospitais privados em geral estão a fazer cada vez mais partos, apesar de não terem urgências de ginecologia-obstetrícia e muitas vezes serem obrigados a reencaminhar as grávidas abaixo das 32 semanas de gestação para os hospitais do SNS, explicou na terça-feira ao PÚBLICO o presidente da Associação Portuguesa da Hospitalização Privada, Óscar Gaspar. Habitualmente, as grávidas que recebem são enviadas por obstetras privados, têm mais de 34 semanas de gestação e gravidezes de baixo risco.

Óscar Gaspar especificou que os privados fazem “12 mil partos” por ano, tendo registado “um aumento de 8%, em 2020, e de 2%, em 2021”, mas os dados do Instituto Nacional de Estatística indicam que em 2020 fizeram, no total, já mais de 14 mil partos (14.354). Ou seja, fizeram cerca de um sexto do total de partos no país e esta proporção é mais elevada em Lisboa.

Luís Graça, que foi director do serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria e presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, lembra que a taxa de cesarianas é muito superior nos hospitais privados, “da ordem dos 66%, enquanto nos públicos oscila entre os 25 e os 30%”, consoante os hospitais. Em cada três partos um ser feito por cesariana é “medicina de qualidade duvidosa”, diz.

Já reformado, o médico afirma que a situação nas urgências de ginecologia e obstetrícia “está muito pior” e recorda que “a degradação começou quando, na altura da troika, os hospitais públicos foram proibidos de contratar novos especialistas e os médicos mais jovens foram trabalhar para o privado, onde não fazem partos mais complicados nem vêem patologia mais complexa”. “Ficam coxos na sua preparação e deixam o SNS coxo [por falta de profissionais]”, lamenta.

“A situação prolongou-se nos primeiros anos do Governo de António Costa” e apenas foi corrigida nos últimos anos, mas, como não contrataram jovens especialistas durante todo esse período, “vêem-se nesta tragédia de terem urgências desprotegidas e desfalcadas”, porque os médicos após os 55 anos estão dispensados de fazer urgências.

Urgência do Barreiro volta a fechar

Esta quarta-feira, os serviços de ginecologia e obstetrícia que têm bloco de partos vão estar todos a funcionar, informou entretanto a ARSLVT no último ponto da situação. Mas os constrangimentos vão continuar. A urgência de ginecologia-obstetrícia do hospital do Barreiro vai estar de novo encerrada entre as 21h de quinta-feira e as 9h de sexta-feira (já tinha estado fechada no início da semana).

A ARSLVT avisa que as grávidas “devem dirigir-se” ou “serão encaminhadas para outras unidades da rede”, nomeadamente para os hospitais de Setúbal, Almada, e “para as maternidades da cidade de Lisboa que, no referido período, estarão a funcionar com normalidade”.

“Caso haja necessidade de encaminhar utentes, as equipas hospitalares articulam com o CODU/INEM, no sentido de identificar a unidade que naquele momento tem melhor capacidade de resposta”, acrescenta.

Nos últimos dias têm-se sucedido os encerramentos das urgências de ginecologia e obstetrícia não só na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas um pouco por todo o país, devido às dificuldades em completar as escalas dos médicos. Há ainda serviços de urgência de outras especialidades que são obrigados a encerrar ou estão com limitações por não conseguirem assegurar as escalas.

A ministra da Saúde anunciou na segunda-feira um “plano de contingência” para fazer face aos problemas no Verão, mas ainda não adiantou medidas concretas.

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