Presidente preocupado com fecho de urgências de obstetrícia, mas desdramatiza problema “específico”

Em Londres para comemorar o 10 de Junho com a comunidade emigrante, Marcelo visitou uma escola e um hospital onde trabalham muitos profissionais de saúde portugueses. Sobre os problemas nas urgências de obstetrícia em Portugal defendeu ser preciso analisar “o sistema como um todo e ir introduzindo as mudanças necessárias para o adaptar à realidade”.

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Marcelo Rebelo de Sousa celebrou 10 de Junho em Londres LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O Presidente da República considera preocupante o encerramento de serviços de urgência de obstetrícia, mas contrapôs que se trata de um “ponto crítico específico” e que deve olhar-se para o sistema de saúde globalmente. Esta posição foi assumida por Marcelo Rebelo de Sousa em Londres, depois de questionado pelos jornalistas sobre o assunto.

Na resposta, o chefe de Estado desdramatizou, dizendo que houve “uma situação crítica neste fim-de-semana longo em alguns serviços de obstetrícia”. “Obviamente, não deixa de ser objecto de preocupação. Mas esse é um ponto crítico específico. Temos de olhar para esses pontos específicos, que têm a ver com outro que é o dos cuidados primários, analisando o sistema como um todo e ir introduzindo as mudanças necessárias para o adaptar à realidade”, acrescentou.

O Hospital de Braga confirmou este sábado que vai fechar a urgência de obstetrícia desde as 8h de domingo até às 8h de segunda-feira “pela impossibilidade de completar escalas de trabalho necessárias” ao seu funcionamento, mas garante que “está a trabalhar de forma articulada” para que “a resposta seja garantida” junto de outras unidades do SNS.

No mesmo comunicado, a administração não confirma o encerramento deste serviço no dia 18 de Junho”, mas garante estar a envidar “diariamente todos os esforços” para ultrapassar esta situação. E sublinha que está apostada em “manter assegurada a prestação de cuidados de saúde de forma regular às grávidas e parturientes da região”.

O Sindicato Independente dos Médicos divulgou este sábado que o Hospital de Braga vai fechar a urgência de obstetrícia no domingo por falta de médicos para assegurar a escala. “Em vez dos necessários cinco médicos ginecologistas/obstetras, o Hospital de Braga tem apenas dois médicos na escala para o dia 12 de Junho, quer de dia quer à noite”, refere o SIM em comunicado.

E adiantava que na próxima semana o cenário poder-se-á repetir, referindo que haverá “vários dias com a escala abaixo do número mínimo de médicos ginecologistas/obstetras necessários para um hospital de apoio perinatal diferenciado com mais de 2500 partos anuais”.

No dia 18 de Junho, salientava o SIM, “haverá novamente apenas dois médicos ginecologistas/obstetras escalados à noite, situação que inevitavelmente levará a novo encerramento da urgência de Obstetrícia”. Este é o “lamentável resultado da incapacidade do Governo em captar e fixar médicos no SNS, oferecendo-lhes condições de trabalho e remuneratórias adequadas ao seu nível de responsabilidade”, acusa o sindicato.

Os problemas de falta de médicos para assegurar as escalas de urgência estendem-se a outros hospitais do país, nomeadamente da região de Lisboa e Vale do Tejo e vão manter-se até segunda-feira em vários hospitais na região. Já é certo que haverá “constrangimentos no atendimento das emergências/urgências de Ginecologia ou Obstetrícia do Hospital Beatriz Ângelo (HBA) desde as 8h de hoje [sábado] até às 8h de segunda-feira”, confirmou a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).

A administração da Saúde de Lisboa salienta ainda que “caso haja necessidade de encaminhar utentes, as equipas hospitalares articulam com o CODU/INEM, no sentido de identificar a unidade que naquele momento tem melhor capacidade de resposta” e lembram que esta prática de “funcionamento em rede dos hospitais acontece ao longo de todo o ano, mas assume especial pertinência em períodos de maior procura dos serviços ou em períodos de férias dos profissionais de saúde”.

Na sexta-feira foi conhecido o caso de uma grávida que perdeu o bebé alegadamente por falta de obstetras no hospital das Caldas da Rainha. O Ministério da Saúde disse ter “conhecimento de que, por constrangimentos na escala de ginecologia-obstetrícia, impossíveis de suprir, a urgência externa do Centro Hospitalar do Oeste estava desviada para outros pontos da rede do Serviço Nacional de Saúde”.

O ministério diz estar a “acompanhar o tema, em especial a evolução da situação clínica da utente que está internada no hospital, que se encontra estável e a quem será prestado apoio psicológico”. Para além de “lamentar profundamente” o sucedido, o Ministério da Saúde afirma que, “tendo em vista o apuramento de toda e qualquer responsabilidade, foi já instaurado um inquérito aos factos pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde” e conclui que, “na pendência do inquérito, cujos resultados serão tornados públicos, não é possível estabelecer qualquer relação entre os dois factos”.

Marcelo pede a médicos e enfermeiros portugueses em Inglaterra que voltem

Entretanto, durante uma visita ao hospital Royal Brompton, onde trabalham mais de 100 portugueses, Marcelo qualificou os profissionais de saúde portugueses como uma “marca de qualidade” de Portugal no Reino Unido. O chefe de Estado acrescentou que “foi um acaso muito feliz” que esta qualidade fosse comprovada pelo próprio primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que foi acompanhado pelo enfermeiro Luis Pitarma quando esteve internado no Hospital de St. Thomas durante uma semana em Abril de 2022.

Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu a “dedicação e humildade”, sobretudo durante a pandemia, que implicou “mais risco, mais horas extra, mais sacrifício familiar e da vida pessoal”. “Isso não tem preço”, enfatizou.

Ao longo dos últimos 10 anos, reconheceu, “fomos enriquecendo o nosso aliado, o Reino Unido, com a qualidade dos nossos profissionais, em particular as nossas profissionais”, reconhecendo que a assistência era maioritariamente feminina. Embora considere ser “um grande orgulho” ouvir elogios dos responsáveis do hospital sobre a competência dos portugueses, salientou que “não desistimos de vos ter em Portugal”. “Para já têm de ir e vir (...) mas depois espero que, a seguir à experiência britânica, venham ter a experiência portuguesa novamente.”

Porém, nem todos partilham deste plano, tendo alguns dos presentes que falaram com a Agência Lusa mencionado os salários mais elevados e a valorização profissional como as principais vantagens de trabalhar no Reino Unido em comparação com Portugal. “Aqui podemos progredir na carreira, receber formação e pedir transferência de serviço e nunca nos dizem que não”, exemplificou a enfermeira Carla Moura.

O Brexit e a pandemia levaram colegas enfermeiros a regressar a Portugal nos últimos anos, mas nenhuma se manteve na profissão, tendo três optado por trabalhar como mediadoras imobiliárias e uma quarta está empregada numa empresa familiar. “Fico cá porque gosto. Quando saí de Portugal ganhava menos do que no início da carreira de nove anos”, recordou a enfermeira Catarina Lopes.

Cátia Francisco refere que a distância de Portugal é diminuída pela frequência com que visita o país, quase todos os meses, graças à flexibilidade de horários de trabalho e acumulação de dias de folga após vários turnos. “Temos colegas que vivem em Portugal e vêm cá trabalhar”, revela, porque “ganham mais numa semana aqui do que num mês inteiro lá”.

Os hospitais Royal Brompton e Harefield, com instalações em Chelsea e em Harefield, ambos a oeste de Londres, constituem, juntos, o maior centro dedicado ao coração e pulmão no Reino Unido e um dos maiores da Europa para pessoas com doenças cardíacas e pulmonares, incluindo condições raras e complexas. Estes hospitais foram pioneiros no transplante de coração e pulmão, na realização da primeira angioplastia coronária, e abriram também o primeiro centro de fibrose cística adulta do Reino Unido.

Actualmente oferecem alguns dos tratamentos mais sofisticados e pioneiros no mundo, tendo recentemente aberto um novo centro de diagnóstico com tecnologia de imagem. Por ano atendem mais de 200.000 doentes ambulatórios e quase 40.000 doentes internados. Possuem aproximadamente quatro mil funcionários, 116 dos quais enfermeiros e médicos portugueses, e um orçamento de aproximadamente 500 milhões de libras por ano (585 milhões de euros).

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