Há “várias” associações pró-Putin a acolher refugiados, acusa representante de ucranianos em Portugal

Presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal diz que em associações com sede em diversos concelhos portugueses existem funcionários que fazem parte da Rossotrudnichestvo ou da fundação Russkiy Mir, instituições estatais criadas pelo Kremlin para divulgar a cultura e a língua russa, mas que, segundo Pavlo Sadoka, são “agências de propaganda”.

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Autocarro com refugiados ucranianos chega a Olhão Duarte Drago

A Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP) diz haver várias organizações, de norte a sul país, com elementos pró-Putin a fazer o acolhimento de refugiados ucranianos, um problema que “se está a replicar um pouco por toda a Europa”.

Pavlo Sadoka, presidente da AUP, explica ao PÚBLICO que o que preocupa a associação é o facto de existirem pessoas, sejam elas russas, ucranianas ou de outras nacionalidades, que estão ligadas a organizações do estado russo e que estão ou estiveram envolvidas no acolhimento a cidadãos ucranianos refugiados, o que envolveu, por exemplo, a recolha de informações pessoais.

Em particular, Sadoka diz que em associações com sede em diversos concelhos portugueses – desde Aveiro, passando por Gondomar, Porto, Lisboa e Portimão – existem funcionários e responsáveis que faziam ou fazem parte da Rossotrudnichestvo ou da fundação Russkiy Mir, instituições estatais criadas pelo Kremlin para divulgar a cultura, língua e o mundo russos, mas que, segundo Sadoka, são “agências russas de propaganda”.

“Oficialmente, estas organizações estão no estrangeiro a promover a cultura e língua russa, como o Instituto Camões. No entanto, estamos atentos às notícias que chegam da Rússia e sabemos que estas agências espalham o ódio contra ucranianos e georgianos. Se ler declarações em russo dos líderes da Rossotrudnichestvo​, que é liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia – e todos sabemos a posição de Sergey Lavrov –, encontra declarações de muito antes de 2014 onde dizem que as terras da Ucrânia são da Rússia e que os ucranianos devem de sair ou tornarem-se russos”, aponta o responsável da AUP.

Foi precisamente por achar “estas ligações suspeitas e que poderiam servir para recolher informações, dados pessoais, que depois seriam fornecidos à embaixada russa”, que a AUP denunciou, no início de Abril, numa carta enviada à secretária-geral do Sistema de Informações da República, a alegada presença, no país, de “agentes de influência russos”.

Já esta sexta-feira, o jornal Expresso revelou casos concretos dos serviços de apoio a refugiados da Câmara de Setúbal, onde alguns ucranianos se sentiram ameaçados por terem sido recebidos por responsáveis de uma associação pró-russa. De acordo com o semanário, pelo menos 160 refugiados ucranianos já terão sido recebidos por Igor Khashin, antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, e pela mulher, Yulia Khashina, funcionária do município setubalense, entretanto afastada pela autarquia do serviço de acolhimento aos refugiados.

“Isto é suspeito e temos todo o direito de avisar que pode ser uma forma de recolher informação. Claro que não temos provas físicas que isto tenha acontecido porque não somos uma instituição de investigação e não temos direito de o fazer. Mas sabemos que trabalham para o Estado que agora está a agredir a Ucrânia. Acho que há um risco bastante elevado de que isto possa estar a acontecer em muitos sítios”, afirma Pavlo Sadoka, sublinhando que a nacionalidade das pessoas “não tem importância” para esta questão e que “muitos russos cá em Portugal têm dado apoio e estão contra as acções de Putin”.

O líder da Associação dos Ucranianos em Portugal diz ainda que muita informação sobre estas ligações foi apagada depois do início da guerra, incluindo nas redes sociais. “Foi tudo limpo, nem conseguimos guardar as provas”, aponta.

Influenciar crianças?

Outra questão que preocupa a associação é que algumas destas organizações começaram a organizar projectos que apelidam de “escola de sábado” e que funcionam como um acolhimentos de crianças ucranianas para ter aulas de línguas, literatura, e outros temas. “Às vezes são de iniciativa privada de cidadãos. Isso preocupa-nos porque aqui pode estar em questão influência ideológica em pessoas indefesas.”

Pavlo Sadoka diz ainda que a líder de uma das organizações sinalizadas pela AUP é ucraniana, está registada na página da Rossotrudnichestvo e trabalha com a embaixada russa. Antes da guerra, terá tido encontro com líderes russos que defendem a anexação do território ucraniano à Rússia.

“Como é possível que uma líder de uma organização ucraniana tire fotografias com líderes que diziam que os ucranianos tinham que desaparecer? Seria o mesmo que, na altura da Segunda Guerra Mundial, um líder de uma organização judia tirasse uma fotografia com o Hitler. Não é normal e aceitável. Tem a escolha dela de apoiar Putin, mas não pode liderar uma organização ucraniana que recebe refugiados que desconhecem estas ligações”.

Pavlo Sadoka diz ainda que o objectivo destes alertas não é “afastar os ucranianos dos russos”, mas sim afastar os refugiados “das organizações que sempre trabalharam com a embaixada russa como agências de propaganda”. “Esta propaganda não começou agora. Existem listas negras que estão na posse do exército russo. Quando entram em territórios que ocuparam, apanham as pessoas dessas listas. Onde arranjam estes nomes? Alguém os fornece. Sabendo como funciona a máquina de espionagem russa, achamos que podemos evitar em todo o lado a recolha destes dados”.

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