“Poder aéreo russo neutralizou Forças Armadas Ucranianas”

Os ucranianos foram atropelados por uma poderosa máquina de guerra. “As tropas russas na Ucrânia são mais do que suficientes”, diz Raul Cunha, general na reserva.

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O bombardeamento de Kiev pelas forças russas atingiu zonas residenciais SERGEY DOLZHENKO/EPA

Uma das imagens mais esclarecedoras da situação que se vive na manhã desta sexta-feira na capital ucraniana é a ultrapassagem numa radial de dois tanques russos a um autocarro articulado de transporte público vazio. É um símbolo de uma realidade que, hora a hora, piora.

“O poder aéreo russo neutralizou as Forças Armadas Ucranianas, que ficaram sem aviões, helicópteros e algumas pistas”, analisa, ao PÚBLICO, o general na reforma Raul Cunha. Em síntese, sem Força Aérea a capacidade de resiliência dos militares de Kiev pouco resistiu. Foi essa a estratégia de Vladimir Putin, chefe do segundo exército mais poderoso do mundo, enquanto o oponente ucraniano está no 22.º ranking desta lista mortífera. Os números marcam a diferença, numa comparação estilo David e Golias.

Basicamente, de acordo com o oficial português, esta estratégia foi a materialização da diferença abissal de meios no terreno. Os russos têm 11 vezes mais caças, numa proporção de 772 face a 69, 544 helicópteros de ataque contra os 34 de Kiev. A utilização desta superioridade militar aérea foi decisiva para marcar uma diferença nas primeiras 24 horas do conflito. Com defesa aérea diminuta, os céus da Ucrânia foram “passadeira vermelha” para as tropas do Kremlin. Destruída a capacidade de defesa aérea, bem como de alguns dos seus aeroportos e pistas, a debilidade ucraniana foi evidente.

Na análise do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, as diferenças continuam gritantes. A Rússia tem um exército de 280 mil homens, que sobe para 900 mil se incluirmos os reservistas, o que compara com 125.600 militares ucranianos no activo. Outros índices são esclarecedores: a Rússia tem três vezes mais tanques do que os ucranianos, enquanto os blindados de Kiev não ultrapassam as 1212 unidades (os russos são 5180).

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Raul Cunha, com experiência em missões internacionais de paz em cenários complexos como os Balcãs ou o Afeganistão, e que na Croácia comandou oficiais russos e ucranianos que ali estavam como observadores, não tem dúvidas. Não há forças armadas terrestres que combatam sem apoio aéreo.

“As tropas russas na Ucrânia são mais do que suficientes”, anota o general, registando a sua rápida progressão rumo à capital ucraniana, depois de passarem por Tchernobil nesta quinta-feira. Aliás, com evidente sinal político, as tropas de Moscovo começaram a concentrar-se esta manhã no designado “bairro governamental”, onde estão sediados os ministérios e o poder político da Ucrânia, marcando uma espécie de fronteira informal entre o norte e o resto da capital ucraniana. As próximas horas serão decisivas para ver a progressão das forças russas, às quais, segundo as últimas informações, se juntarão 12 mil tetchenos, conhecidos pela sua “ferocidade militar”. Actuarão como força dissuasora de uma possível luta urbana em Kiev, sem regras.

Aliás, o apelo à resistência civil, entre os quais o recurso de “cocktails molotov” contra os tanques e blindados da Federação Russa, seria heróico, mas de duvidosa eficácia. “Isso não afecta os materiais dos novos tanques, é mandar gente para a morte e, a estas horas, não se vislumbra uma resistência dessas, de guerrilha urbana”, comenta Raul Cunha. A denominada defesa territorial seria, deste modo, insuficiente. Também aqui, os dados são díspares: 2596 tanques ucranianos contra os 12.420 do exército de Putin.

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No entanto, o militar português admite que ao longo do território ucraniano possam existir algumas bolsas de resistência. “Das quais não temos informação”, salienta. A possibilidade da sua manutenção, porventura actuando por detrás das forças russas, em acções de contra-ataque, é uma incógnita apesar de propalada pela diplomacia ucraniana. Mas, até ao momento, não existem dados concretos sobre a sua progressão.

A distribuição de armas à população que, segundo algumas informações, terão chegado às mãos de cerca de 20 ou 30 mil civis, quando o exército de Kiev parece pouco eficiente, não permite a compreensão da posição das autoridades. Ou seja, se admitem render-se ou enveredam pela guerrilha urbana, que teria elevados custos em baixas e na destruição da cidade.

Quanto à comparação das “forças em presença”, apesar do reforço de material das Forças Armadas Ucranianas por parte do Ocidente, nomeadamente dos Estados Unidos, a partir de 2014, há uma gritante desigualdade como já foi referido. “Os ucranianos foram ‘atropelados'”, sintetiza, ao PÚBLICO, um militar com vasta experiência em missões internacionais.

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