Sensatez e transparência ou mais prospecções de lítio

Ter a sensatez de reconhecer a necessidade do lítio para a descarbonização e a sustentabilidade é absolutamente fundamental, claro, no entanto, reconhecer o dano do método intensivo de exploração e pôr as populações e prioridades nacionais em primeiro lugar é inegociável.

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Adriano Miranda

A Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) entende que seis áreas, espalhadas pelos distritos da Guarda, Viseu, Coimbra, Castelo Branco e Braga, podem avançar a concurso para obterem direitos de prospecção de lítio. A transição energética, particularmente na mobilidade, gera muita procura deste recurso globalmente e há já três iniciativas em curso em Argamela, Boticas e Montalegre.

O aval da DGEG visa algumas zonas onde as ocorrências de lítio são poucas ou nenhumas. As prospecções deverão desmistificar isto, o que não dispensa pensar o que implica uma prospecção e o que significaria/significará uma exploração.

A entidade adverte para o uso de fornecedores e mão-de-obra locais, para a elaboração de “um plano de compensações para potenciais afectados” e entende que “os locais onde haja desmatação devem ser recuperados”. Negoceia-se o inegociável. Populações afectadas e desflorestação têm efeitos nefastos e prolongados potencialmente irreversíveis na saúde pública e na integridade dos ecossistemas não circunscritos às áreas sob prospecção ou exploração.

Em contexto de alterações climáticas, defender padrões de exploração de recursos que as provocaram em primeira instância é inconcebível. Uma mera prospecção exige muitos recursos financeiros, muita mão-de-obra, muita maquinaria (pesada, incompatível com as características do terreno, consumindo mais, poluindo mais) e é já disruptiva para os ecossistemas. Posteriormente, a exploração requer centenas de milhares de litros de água (desviada da agricultura, por exemplo), fora a que entra em contacto com elementos tóxicos, ficando inviável para consumo.

Ter a sensatez de reconhecer a necessidade do lítio para a descarbonização e a sustentabilidade é absolutamente fundamental, claro, no entanto, reconhecer o dano do método intensivo de exploração e pôr as populações e prioridades nacionais em primeiro lugar é inegociável. Usar a descarbonização para justificar uma política que envolve desmatamento e erosão dos solos é incoerente e mostra uma visão curta do problema. A diminuição da produção de gases de efeito de estufa e o seu sequestro pelas árvores e água são necessariamente complementares.

E se procurássemos fazer parte da reciclagem de lítio e das baterias já existentes ou, pelo menos, de soluções sustentáveis de descarte? E se explorássemos potencialidades que no médio e longo prazo são rentáveis como a energia solar e eólica (que lindo seria vendê-la por toda a União Europeia)? E se requalificássemos casas em nome da eficiência energética e melhoria de condições de habitação? E se nos adaptássemos aos problemas prementes actuais ao nível, por exemplo, do SNS para lidar com a morbilidade causada por temperaturas extremas e decorrente do envelhecimento? Pergunto ainda: como é que buracos a céu aberto em torno da Serra da Estrela potencialmente danosos para a disponibilidade de recursos potenciam a fixação de jovens e famílias no interior?

O lítio pode trazer lucro, mas os gastos, contratos e promessas acontecem muito antes. Os custos económicos e ambientais associados a empresas como a Galp e à falta de transparência e de contacto com as populações contrariam as políticas que visam atrair jovens para o interior, preservação e protecção de habitats e recursos hídricos, acesso a recursos básicos de qualidade, turismo e outros domínios.

Se não é limpo e não é seguro, consultem as populações e façam escolhas melhores.

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