À esquerda, ir mais além

Corremos o risco de ter a direita a governar o país por muitos e maus anos, se a esquerda não se comprometer de forma ativa. Defendo uma convergência do PS com os partidos mais à esquerda, mais consolidada e robusta.

A crise política instalou-se no país numa altura em que os portugueses menos precisavam de indefinição governativa. O país pressionado por uma crise sanitária que continua a deixar as suas marcas, uma crise económica ao qual se espera que a “bazuca” dê resposta e uma conjuntura internacional bastante desafiante, perante uma crise energética e constrangimentos nas cadeias de abastecimento com consequências imprevisíveis na economia nacional.

Muitas vezes em política falta memória. O quadro político saído de 2015 reconfigurou as prioridades governativas, com medidas estruturantes que romperam com a visão do anterior Governo PSD/CDS em matérias decisivas para o futuro do país. Uma política que veio destruir por completo as bases argumentativas da direita que, na sua habitual superioridade moral, não se cansou de tentar vender a ideia de que um Governo PS seria a ruína do país. Uma hipótese rapidamente desmontada com a crua verdade da realidade de uma governação responsável e com as prioridades definidas.

Foi o PS que fez crescer a economia, ao mesmo tempo que se devolveram rendimentos às famílias, se restituíram direitos sociais e se assistiu aos maiores aumentos do salário mínimo nacional em 200 euros, de 505 euros em 2015 para 705 euros como previsto na proposta de Orçamento de Estado para 2022.

Contas certas e futuro. Sem o carnaval de orçamentos retificativos e sucessivos chumbos do Tribunal de Contas do anterior Governo de direita, António Costa e o PS credibilizaram o país e deram mais futuro às famílias e às empresas. Um percurso que fez uma pausa forçada perante a mais desafiante crise sanitária dos últimos 100 anos.

A realidade é que a prerrogativa que afirmou o PS de António Costa, afundou o PSD e a direita democrática numa teia de uma oposição sem ideias, que perde os seus maiores ativos eleitorais de combate político: orçamento, crescimento e emprego.

Uma oposição que se arrastou durante cinco anos numa retórica destrutiva e que agora se euforiza com a raspadinha da sorte das eleições antecipadas.

Mas a sorte de uns, é o azar de todos. Ao primeiro sinal de hipótese de poder, regressa o PSD dos barões. De quem acha que aumentar o salário mínimo é criar desemprego, de quem acredita que os jovens têm de emigrar para ter oportunidades, de quem julga que o país se desenvolve privatizando sectores estratégicos, entregando-os ao capital externo.

A entrar no jogo temos uma direita populista e extremista, que tudo fará para destruir os valores e as conquistas de Abril. André Ventura, reeleito presidente do Chega, já disse ao que vem e reforçou que “não quer moderação”.

Neste jogo de azar, corremos o risco de ter a direita a governar o país por muitos e maus anos, se a esquerda não se comprometer de forma ativa numa frente de entendimento que permita continuar uma agenda de desenvolvimento progressista que dê futuro ao país.

E aqui é preciso que os partidos à esquerda do PS definam a sua postura no enquadramento democrático. Se querem protestar ou assumir responsabilidades na governação do país, como tem acontecido até agora. Eleitoralmente é mais confortável protestar do que governar. Então se o protesto assumir um claro antagonismo com quem está no poder, melhor. Mas, nesse contexto, quem fica a perder e quem fica a ganhar? É importante perceber se os dois partidos querem objetivamente contribuir para a governação do país ou para a oposição à governação.

Virar à esquerda foi bom para o país, que encarrilhou num caminho de desenvolvimento sustentado e um plano de futuro, materializando conquistas importantes. E é isso que conta. Que conta para os portugueses e que deveria contar para os líderes políticos.

Por isso defendo uma convergência do PS com os partidos mais à esquerda, mais consolidada e robusta. Em vez de se recuar, temos de ir mais além. Quanto ao bloco central é melhor nem falar disso, porque tal só faria crescer os extremos e radicalizar o país. Uma deriva que desintegraria o nosso sistema democrático como o conhecemos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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