Emprego Científico: processo de decapitação em curso

“O carrasco é, creio eu, um perito, e meu pescoço é muito fino” Ana Bolena, a rainha dos mil dias

No passado dia 23 de novembro, por coincidência, Dia da Santa Felicidade, saíram os resultados provisórios do Concurso de Estímulo do Emprego Científico (CEEC) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT): 3730 candidaturas para 400 contratos a termo com duração máxima de seis anos. Havendo 11% de aprovação, houve também, claro, 89% de reprovação. A taxa, uma vez mais, é alarmante. Sendo virtualmente todos os candidatos já investigadores de facto — com bolsa ou contrato de trabalho —, significa isto, então, que só devemos confiar em 11% do nosso trabalho científico, estando 89% dele errado? Devemos fazer nove testes covid e confiar só num? No único que deu negativo ou no único que deu positivo?

O resultado é claro: estamos a viver o PDEC — Processo de Decapitação Em Curso — liderado pelo ministro Manuel Heitor e a sua suposta política de “Estímulo do Emprego Científico”. A maioria das instituições não estão obrigadas a abrir concursos para as carreiras, mesmo que os contratos atinjam os seis anos, e as muito poucas que estão também não o pretendem fazer, e essa parece ser a única preocupação do Conselho de Reitores e de muitos chefes e diretores, com as finanças tão apoquentados mas tão serenos a tapar buracos por si criados.

Segundo a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência — que não conta os mais de 13000 investigadores bolseiros sem vínculo laboral e de destino incerto —, há hoje 3249 investigadores contratados. Em 2022 teremos uma redução de cerca de 1000 investigadores contratados, chegando aos menos 2000 em 2024. Não há outra forma de o dizer: o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) ruma à decapitação e só lhe restam mil dias. Poético! Os mesmos que Henrique VIII concedeu a Ana Bolena.

Manuel Heitor despede-se, outra vez, sem um plano para combater a precariedade, sem um plano de reforço das carreiras, sem rever os seus estatutos, sem substituir mais bolsas por contratos, sem avaliar o regime jurídico das instituições de ensino superior, mas não sem ter tentado cortar 41 milhões à FCT num Orçamento chumbado. A sombra de Mariano Gago saiu à rua e eclipsou-se. O pouco que fez, e apenas no seu primeiro mandato, foi-lhe imposto pela luta e pela Assembleia da República. Pois então, tal como ontem, está hoje nas nossas mãos o poder de acabar com a guilhotina e (re)construir o SCTN. E isso temos de fazê-lo já, em menos de mil dias, na nova legislatura. Temos pescoço fino, mas somos muitos!

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