EMA dá luz verde à vacina da AstraZeneca sem provar relação com formação de coágulos

O regulador europeu considera a vacina da AstraZeneca contra a covid-19 “segura e eficaz” e que os benefícios ultrapassam os riscos. Mas vai recomendar a actualização da bula, para mencionar a formação de coágulos sanguíneos e hemorragias.

Conferência de imprensa da EMA sobre a vacina da AstraZeneca

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) continua a considerar a vacina da AstraZeneca contra a covid-19 “segura e eficaz”. Mas não conseguiu afastar a possibilidade de que exista uma relação de causa-efeito entre os casos raros de formação de coágulos sanguíneos com diminuição de plaquetas registados em vários países, que causaram a morte de nove pessoas e levaram vários países a suspender a campanha de imunização com esta vacina. 

“A recomendação é para os profissionais de saúde estarem atentos a possíveis efeitos secundários”, explicou Emer Cooke, directora da EMA, numa conferência de imprensa online, garantindo que mais estudos vão ser feitos, enquanto deve prosseguir a vacinação contra uma doença que garantidamente pode matar - a covid-19.

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Emer Cooke, a directora da Agência Europeia do Medicamento, na conferência de imprensa EPA/PIETER STAM DE JONGE

A EMA não encontrou provas de que houvesse algum problema com lotes específicos da vacina da AstraZeneca. “Essa relação simplesmente não existe”, garantiu Sabine Straus, secretária do Comité de Farmacovigilância e Avaliação do Risco da EMA, pondo de parte a hipótese que inicialmente tinha sido avançada. 

Os peritos da agência, a que se juntaram outros especialistas, reviram 469 relatos destes fenómenos tromboembólicos verificados na Europa. Os mais graves são sete relativos à formação de coágulos em múltiplos vasos sanguíneos (coagulação intravascular disseminada) e 18 de tromboses venosas no seio cavernoso cerebral. A maioria dos casos ocorreu com mulheres com menos de 55 anos, e nove destes episódios resultaram em mortes. “Não foi provada uma relação de causa-efeito com a vacina, mas é possível e merece ser mais analisado”, disse Sabine Straus.

Numa situação normal, sem vacinação, foi calculado que se esperaria que ocorresse menos de um caso em pessoas com menos de 55 anos de coagulação intravascular disseminada na Europa até 16 de Março, em vez dos cinco registados com a vacinação. Em média, para este grupo etário, espera-se que ocorram 1,35 casos deste tipo de tromboses venosas cerebrais, diz um comunicado da EMA.

Mais velhos poupados

Curiosamente, não se nota esta desproporção na população mais idosa que recebeu a vacina da AstraZeneca, como aconteceu no Reino Unido, onde foi administrada a pessoas mais velhas, e há apenas cinco casos deste tipo de tromboses venosas cerebrais que ocorrem juntamente com a diminuição de plaquetas (trombocitopenia)​ - sintomas aparentemente contraditórios. Os números foram avançados pela Agência Reguladora dos Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA, na sigla em inglês) do Reino Unido, num comunicado emitido nesta quinta-feira, dizendo que os cidadãos britânicos devem continuar a ir vacinar-se com a AstraZeneca, porque os benefícios ultrapassam os riscos.

Estes casos graves de formação de coágulos sanguíneos e hemorragias em simultâneo não são fenómenos trombóticos típicos, como a embolia pulmonar, por isso geraram mais preocupação e obrigaram a EMA a realizar uma investigação científica rápida. Havia urgência numa resposta, pois cerca de dezena e meia de países europeus suspendeu o uso da vacina da AstraZeneca, atrasando a imunização da população contra a covid-19.

“Temos uma conclusão clara de que esta vacina é segura e eficaz, e de que os benefícios ultrapassam os possíveis riscos”, assegurou Emer Cooke. “No entanto, continua a ser muito importante analisar a relação entre estes episódios raros de coagulação e a vacinação”, disse a directora da EMA, assegurando que vão prosseguir os estudos, incluindo estudos epidemiológicos. 

A vacina foi administrada a populações muito diferentes na Europa, e isso poderá explicar porque é que alguns países concentraram os casos mais graves - como a Alemanha ou a Noruega. E outros parecem ter menos casos - como o Reino Unido, onde foram administradas 11 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, mas maioritariamente a pessoas mais velhas. “As diferenças no tipo de populações podem explicar muito”, disse Peter Arlett, responsável pelo Grupo de Trabalho de Métodos e Análise de Data da EMA.

Há várias ideias de estudos a fazer para analisar esses factores, garantiu Arlett. Uma delas é porque é que as mulheres parecem ser mais afectadas. “Terá alguma coisa a ver com a pílula anticoncepcional?”, interrogou uma jornalista. “Esse é um dos factores que vamos investigar em breve”, assegurou Sabine Straus.

Sabine Straus disse que os profissionais de saúde serão encorajados a procurar sinais de alerta nas pessoas vacinadas, sobretudo mulheres. “Será ainda actualizado um folheto da embalagem da vacina, com um aviso que descreva estes casos”, acrescentou.

“É importante que os organismos de saúde pública monitorizem a campanha de vacinação, e a segurança tem de ser o valor mais alto, com qualquer medicamento”, comentou Andrew Pollard, líder da equipa que desenvolveu a vacina na Universidade de Oxford e depois se associou à farmacêutica britânico-sueca AstraZeneca. Citado pela Reuters, congratulou-se com os sinais de confiança nesta vacina que, sublinhou, tem “um impacto claro na saúde pública, com uma redução do número de casos de covid-19 e menos hospitalizações”.

Países retomam vacinação

As reacções na Europa foram variadas: Portugal retoma segunda-feira a vacinação,  Itália anunciou que ia retomar a campanha de imunização com a vacina da AstraZeneca na sexta-feira. A Suécia, onde morreu uma pessoa, disse que manteria por até à próxima semana a pausa na vacinação. O ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, tinha-se comprometido a seguir a recomendação da Astra-Zeneca. Irlanda vai decidir o que fazer na sexta-feira. Em Espanha, a vacina vai regressar a partir de sexta-feira, e foi convocado o Conselho de Saúde, para decidir quais os sectores da população que devem receber a vacina.

O primeiro-ministro francês, Jean Castex, deverá ser vacinado na sexta-feira com a AstraZeneca, avança a televisão de notícias em contínuo BFM, quando a campanha de imununização com esta vacina será retomada - aliás, França está a braços com um novo aumento de casos de covid-19, e o confinamento foi alargado nesta quinta-feira a novas regiões. 

Nos Estados Unidos, há relatos de efeitos ao nível da coagulação do sangue das vacinas da Moderna e da Pfizer-BioNtech, que usam uma tecnologia diferente, a do ARN-mensageiro, que introduz no organismo apenas o material genético necessário para produzir uma proteína do novo coronavírus. A da AstraZeneca-Universidade de Oxford usa como vector para inserir no organismo essa proteína do SARS-CoV-2 uma versão atenuada de um adenovírus de chimpanzés, um vírus que normalmente causa constipações.

A Organização Mundial da Saúde e os Centros de Controlo e Prevenção das Doenças – África (CDC África) continuam a recomendar o uso da vacina da AstraZeneca, por proteger contra uma doença potencialmente mortal, a covid-19. Em compensação, os tromboembolismos venosos são a terceira doença cardiovascular mais comum no mundo. Acontecem quer as pessoas se vacinem, quer não”, disse Hans Kluge, director da OMS Europa, numa conferência de imprensa online nesta quinta-feira, citado pelo Financial Times.

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Centro de vacinação em Nápoles: Itália vai retomar a vacinação com a AstraZeneca sexta-feira EPA/CESARE ABBATE

O comité consultivo global sobre a segurança das vacinas da OMS emitirá também um parecer sobre esta questão.

John Nkengasong, director do CDC África, disse que “os benefícios da vacina da AstraZeneca continuam a ultrapassar os riscos” e que os países devem continuar com a vacinação. Esta vacina é a mais usada nos países africanos e na iniciativa internacional COVAX, que pretende fazer chegar vacinas aos países mais pobres – mas alguns países africanos suspenderam também as campanhas de imunização, face às notícias de efeitos adversos vindas da Europa.

A directora regional da OMS para África afirmou nesta quinta-feira que é previsível uma terceira vaga de covid-19 em vários países do continente nas próximas semanas e encorajou os Estados a continuarem as suas campanhas de vacinação, sem pausas, relata a agência Lusa. “Estamos numa corrida contra o tempo. Quanto mais pessoas estiverem protegidas, menor a probabilidade de mutações que produzam variantes mais perigosas do vírus, pondo em perigo o mundo inteiro”, disse ​Matshidiso Moeti numa conferência de imprensa online, marcada também pelas dúvidas sobre a vacina da AstraZeneca.

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