Grupo de cientistas propõe mapa de controlo pandémico para Portugal

Além do mapa de controlo pandémico, no documento propõe-se a criação de um grupo de trabalho mais abrangente que junte especialistas e também membros do Governo.

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Entre as recomendações, está uma estratégia de testes em massa Daniel Rocha

Um grupo multidisciplinar de cientistas fez uma proposta de mapa de controlo pandémico, que pretende servir de “esqueleto” para um plano de mitigação mais abrangente da pandemia em Portugal. Como tal, a proposta está aberta a contributos de outros especialistas e espera-se que seja entregue ao Governo esta quarta-feira.

O documento intitulado “Proposta de mapa de controlo pandémico” baseia-se em publicações de diferentes autoridades de saúde e em artigos científicos validados por outros cientistas. “Oferece indicações técnicas e sugere uma estratégia para controlo pandémico”, lê-se no documento, que se divide em duas partes.

Na primeira parte propõe-se um “mapa” que pode servir de base de trabalho para uma estratégia de médio prazo que seguiu práticas internacionais e foi adaptado à realidade portuguesa. Este mapa reparte-se em cinco pontos: testar, seguir, isolar, vacinar e informar.

No ponto “testar”, recomenda-se que deve ser posta em prática uma estratégia de testes em massa, com diferentes naturezas e objectivos desde testes de diagnóstico específicos até testes de monitorização mais frequentes e abrangentes. Além da presença da infecção, devem ser criados roteiros aleatórios de aplicação de testes serológicos (para se saber quem já esteve infectado e se está imune tanto ao vírus com que se foi infectado como quanto às variantes) e de genotipagem (para se conhecer bem que variantes estão em circulação) do SARS-CoV-2. 

Já no “seguir” destaca-se a necessidade de se desenvolver um novo sistema de informação integrado, rápido ou flexível que possa apoiar a vigilância e a decisão. “A maneira como estamos a recolher, analisar e tratar a informação não é eficiente e não foi pensada para uma pandemia deste género”, afirma Joana Gonçalves de Sá, do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) e uma das autoras da proposta. “É muito importante o tipo de informação que se recolhe, como se recolhe e como é analisada e utilizada.” A cientista refere que existem técnicas de monitorização muito mais avançadas na comunidade científica do que as que estão a ser usadas e que estão a ser subaproveitadas, como trabalhos com amostras de saliva, fezes ou outras que servem para monitorização em tempo real. “Sistemas tradicionais de vigilância devem ser complementados com métodos rápidos de big data e análise de sistemas complexos”, sugere-se também na proposta.

Depois, no ponto “isolar”, indica-se que a testagem tem de ser acompanhada por rastreio de contactos e medidas de apoio ao isolamento.

Quanto à vacinação, considera-se que deve ser usada sobretudo como medida de redução da mortalidade e a idade deve ser o principal critério de prioridade. “A partir do momento em que ainda não é sabido até que ponto é que a vacina bloqueia a transmissão ou vai permitir oferecer imunidade e durante quanto tempo, a prioridade da vacinação deve ser para reduzir a mortalidade e salvar vidas”, nota Joana Gonçalves de Sá. Como tal, no documento indica-se que é preciso desenvolver uma estratégia de vacinação, tendo em conta novas variantes e imunidade temporária.

No ponto “informar”, aponta-se que é fundamental comunicar de forma bidireccional e clara com a população, para que sejam compreendidas as regras de mitigação, exista adesão ou se conheçam as preocupações e os riscos de não-adesão.

Sistema científico “subaproveitado”

Tendo tudo isto em conta, o grupo considera que a capacidade do sistema científico português tem vindo a ser subaproveitada e que “limitações dos sistemas de vigilância actuais podem ser compensadas através de parcerias com institutos de investigação”. “Há muita capacidade que existe no sistema científico que não está a ser utilizada”, reforça Joana Gonçalves de Sá, exemplificando que tal acontece ao nível da capacidade de testagem ou do tipo de testes.

Na segunda parte do documento propõe-se a criação de um grupo de trabalho misto, que englobe especialistas e também membros do Governo. Este grupo deverá assim ter autoridade para coordenar a recolha de informação, analisar e definir uma estratégia. Para Joana Gonçalves de Sá, seria importante que existisse uma centralização e coordenação de diferentes grupos de trabalho que já existem, porque o problema é complexo, multidisciplinar e tem de haver uma visão integrada para o combater.

A cientista diz que este documento é um “esforço para que se possa ter uma visão estruturada, porque este é um problema [a pandemia] com muitas partes”. E é um documento aberto e espera-se que outros cientistas possam contribuir com comentários e mais dados. “A ideia é que possa servir como um esqueleto, sendo ou não validada por outros colegas e complementada com informação que está sempre a mudar”, frisa Joana Gonçalves de Sá. “Oferece um princípio de estrutura de um plano de mitigação à pandemia porque temos de assumir que este e outros vírus vão circular entre nós durante bastante tempo.”

E sugere ainda: “Como o plano está desenhado, pode ser testado a nível local. É possível fazer-se um piloto numa autarquia ou em localidades específicas e ver se teria o efeito que pensamos, que é o de controlo pandémico.”

Durante esta terça-feira ainda se recolhiam alguns elementos para melhorar o documento, mas a ideia é que chegue aos decisores políticos. O grupo espera entregá-lo esta quarta-feira ao Governo.

Além de Joana Gonçalves de Sá, da área dos sistemas complexos, os autores da proposta são Paulo Almeida (especialista em protecção de dados e sistemas de informação do ​LIP), Maria João Amorim (virologista do Instituto Gulbenkian de Ciência), Leonardo Azevedo (especialista em ciência de dados espaciais do Instituto Superior Técnico - IST), Thiago Carvalho (imunologista e comunicador de ciência da Fundação Champalimaud), Joana Lobo Antunes (coordenadora da área de comunicação do IST), Lília Perfeito (especialista em sistemas complexos do LIP), Sara Mesquita (especialista em sistemas de informação em saúde do LIP) e Pedro Pita Barros (economista da Nova SBE).

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