O pagamento das despesas do teletrabalho

Impõe-se que a Assembleia da República aprove, com urgência, a clarificação da norma em apreço para impedir que os trabalhadores dos sectores privado e público continuem a ser injustamente penalizados.

Ultimamente, tem sido questionada a responsabilidade pelo pagamento do acréscimo de despesas do teletrabalho.

Segundo o artigo 168.º do Código do Trabalho (CT) de 2009, na falta de acordo, compete ao empregador assegurar a instalação e a manutenção dos instrumentos do teletrabalho, bem como o pagamento das inerentes despesas.

Com o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, ratificado pela Lei nº 1-A/2020, de 20 de Março, o regime de teletrabalho passou a ser obrigatório quando determinado pelo empregador ou requerido pelo trabalhador, desde que seja compatível com a actividade.

Após sucessivas renovações, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 11-A/2021, de 11 de Fevereiro, do Presidente da República, autorizado pela Resolução da Assembleia da República n.º 63-A/2021, da mesma data, a obrigatoriedade do regime de teletrabalho abrange, mais uma vez, todos os trabalhadores “independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para a exercer”.

Contudo, estes diplomas, apesar de manterem a obrigação do empregador disponibilizar os equipamentos de trabalho e comunicação, são omissos no tocante aos custos do teletrabalho.

Lamentavelmente, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social veio defender, publicamente, que o empregador tem de suportar, apenas, as “despesas relacionadas com internet e telefone”, fazendo uma interpretação literal da supracitada norma do CT, que não se harmoniza com os direitos e princípios constitucionais.

Como é óbvio, esta recomendação não é vinculativa, uma vez que está em causa matéria da competência reservada da Assembleia da República, a qual, durante o estado de emergência, poderá autorizar o Presidente da República e o Governo a decretar medidas temporárias e excepcionais no âmbito da pandemia da covid-19, designadamente, a regulamentação do teletrabalho.

Na verdade, o trabalhador tem direito ao pagamento do acréscimo das despesas resultantes do teletrabalho, nomeadamente, as de electricidade, gás, comunicação, formação e utilização dos instrumentos de trabalho, incluindo o respectivo equipamento.

O aumento do consumo de electricidade e do gás relativo ao aquecimento causado pela prestação laboral em casa do trabalhador pode ser calculado por comparação entre as facturas anteriores e posteriores à instalação dos equipamentos do teletrabalho, sem prejuízo da opção por um subsídio acordado.

Este direito decorre dos deveres do empregador consignados no artigo 127.º do CT e 71.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, designadamente, os de pagar uma retribuição “justa e adequada ao trabalho”, “proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral”, “que favoreçam a conciliação do trabalho com a vida familiar e pessoal”, bem como a “formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação”.

Outrossim, a Constituição garante o direito à “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes” (artigo 59.º, n.º 1, alínea b).

Com a pandemia, o teletrabalho mudou radicalmente, afectando mais de um milhão de trabalhadores, que foram obrigados a realizar o trabalho nas suas casas, muitas vezes, sem as necessárias condições físicas e económicas, com graves danos para a vida pessoal e familiar, sobretudo, para os pais com filhos menores.

Por isso, impõe-se que a Assembleia da República aprove, com urgência, a clarificação da norma em apreço para impedir que os trabalhadores dos sectores privado e público continuem a ser injustamente penalizados com o pagamento das despesas do teletrabalho prestado em reconhecido proveito do empregador, sem prejuízo do apoio do Estado e do reforço da fiscalização, como é de elementar justiça.

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