Hospital de Setúbal. “Num espaço para cerca de vinte doentes é frequente atingir-se um número superior a 100”

O Centro hospitalar de Setúbal enviou uma carta aberta à ministra da Saúde na qual alerta para “uma situação verdadeiramente insustentável”. “Alegam, por exemplo, que o número de diagnósticos de doentes que entram com teste negativo e posteriormente se tornam positivos, no interior das enfermarias, não deixa de aumentar.

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Sara Jesus Palma

O Centro Hospitalar de Setúbal enviou uma carta aberta à ministra da Saúde, Marta Temido, na qual alerta para aquilo que descreve como “uma situação verdadeiramente insustentável para tratarem os inúmeros doentes que acorrem com gravidade crescente ao seu serviço de urgência”.

“Num espaço dimensionado para ter, no máximo, cerca de vinte doentes em observação e tratamento e outros tantos em espera, é frequente atingir-se um número superior a 100, entre os quais vários ventilados em simultâneo, uma vez que o internamento em enfermarias e/ou UCI [unidades de cuidados intensivos] é extremamente dificultado tendo em conta a oferta (apesar das altas), e a procura (ao que acresce a extrema dificuldade de transferência de doentes”, lê-se na carta, subscrita pelo gabinete de crise do centro hospitalar para as questões da pandemia, bem como por vários directores de departamento e de serviço e ainda por vários funcionários de várias áreas profissionais.

Na carta adiantam que já foram montadas duas tendas do INEM e está-se em fase de instalação de um outro pré-fabricado com cerca de 200 m2 que será acoplado ao anteriormente edificado. Contudo, se a dinâmica epidemiológica não abrandar rapidamente, nem isso será suficiente.

Os subscritores da carta lembram que, foi declarado internamente o nível III do Plano Interno de Contingência no dia 11 Janeiro (que equivale à situação de catástrofe), e que, se “na primeira fase da pandemia, foi possível gizar uma estratégia que se pautou pela capacidade de antecipação, em que foi possível cumprir com todas as regras de controlo de infecção”, agora a realidade é outra.

E explicam que “o CHS tem sete enfermarias e três unidades de cuidados intensivos cheias de doentes covid e os casos dos contactantes com os que surgem positivos no interior da enfermarias supostamente para doentes não infectados por SARS CoV-2, já não vão, como outrora, para quartos individuais até se saber ao certo se se tornam, ou não, positivos, por tal ter deixado, manifestamente, de ser possível”.

Acresce que devido a esta situação, “o número de diagnósticos de doentes que entram com teste negativo e posteriormente se tornam positivos, no interior daquelas mesmas enfermarias, não deixa de aumentar, tal como a quantidade de profissionais infectados”, referem na carta, em que confessam que estão “extremamente cansados pelo extenuante esforço que fazem diariamente, bem como frustrados pelas parcas condições de trabalho de que dispõem”.

Lista de medidas propostas

Pelo que apelam para que se instituam várias medidas que, individualmente e no seu conjunto, podem ajudar, e muito, a atenuar os nefastos efeitos da actual pandemia. E deixam uma lista de sugestões:

-"Gestão centralizada das camas de enfermaria;

-Redistribuição destas de modo a proporcionar uma taxa de esforço equivalente entre todas as Unidades Hospitalares da ARSLVT;

-Fazer com que as instituições dependentes do Ministério da Solidariedade e Segurança Social aceitem os critérios de cura da infecção covid definidos pela DGS, de modo a que os doentes que já os preenchem e têm condições de poderem ter alta clínica hospitalar, tenham possibilidade de saírem para poderem acolher aqueles que efectivamente mais necessitam e se amontoam no ADR;

-Criar uma estrutura que operacionalize o transporte inter-hospitalar de doentes urgentes e emergentes, pois as equipas de urgência estão demasiado desfalcadas em meios humanos para tal, deixando, quando fazem, ainda mais desguarnecida, a equipa do Serviço de Urgência;

-Melhorar a orientação dada pela Linha de Saúde 24 que, amiúde, é um factor de aumento nefasto do congestionamento ao nível da Urgência do Hospital, pois utiliza critérios de triagem de eficácia e adequação mais do que duvidosa;

-Aprovar e generalizar a utilização dos testes de diagnóstico denominados de point-of-care que utilizam a saliva, cuja leitura do resultado pode ser feito pelo próprio doente, em muitos casos, e, por maioria de razão, por qualquer profissional de saúde, e cujo resultado pode ser obtido em escassos minutos, alguns dos quais resultam do trabalho de centros de investigação nacionais, ainda que se saiba que não têm uma capacidade discriminativa absoluta.

-Implementar o funcionamento de um hospital de campanha em articulação com a Protecção Civil, para onde possam ser transferidos os doentes em fase de convalescença e sem condições habitacionais para o fazerem no seu domicílio, não necessitados de cuidados médicos diferenciados, de modo a ganharmos maior capacidade de internamento para os doentes mais graves;

-Mobilizar profissionais aposentados, alunos dos últimos anos de Medicina e de Enfermagem e outros voluntários para que estes se responsabilizem por essa missão assistencial, devidamente coordenados pelos Cuidados Primários de Saúde e, se necessário, num outro patamar de responsabilidade, pelos Cuidados Hospitalares;

-Entregar algumas tarefas clínicas de índole mais burocrática, mas de fulcral importância, a pessoas com a tipologia referida na alínea anterior, embora com a necessária experiência profissional, orientados pela Saúde Pública, de modo a que os colegas dos Cuidados Primários de Saúde se possam dedicar fundamentalmente às mais importantes tarefas iminentemente assistenciais (sobretudo a doentes não covid), em vez de perderem um tempo infindo, por exemplo, com o Sinave-Médico ou com o trace-covid;

-Criação de quartos de isolamento capacitados para receber doentes não covid, sobretudo para os casos de Tuberculose, que não deixaram de existir e que estão, no actual momento, sem qualquer resposta adequada.

-  Que o Ministério da Saúde e o Governo olhem com a devida atenção para o Projecto de Ampliação e Remodelação do CHS, que aguarda há cerca de cinco anos por ser concretizado;”

Doentes não covid

Na mesma missiva, os profissionais do CHS revelam também a sua preocupação com os doentes não covid, “que estão, na maioria dos casos, a serem muito prejudicados com a resposta que teve que ser implementada para fazer face à actual Pandemia, pois é manifestamente impossível fazer ambas as coisas com igual qualidade aos dois grupos de doentes e num espaço de tempo considerado útil”.

E apelam para a implementação de uma estratégia institucional, regional e nacional que importa sobremaneira ser implementada com a necessária rapidez e para a qual estão igualmente disponíveis para colaborar.

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