Administração portuária quer despejar estaleiro de rabelos de Gaia

APDL deu ordem de despejo à empresa que opera junto ao Cais de Gaia e pretende lançar novo concurso. Empresa garante que licença de 1985 é válida.

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Empresa mudou-se para a actual localização no início deste século PAULO PIMENTA / PUBLICO

A Administração do Porto do Douro e Leixões pretende que a empresa que detém o último estaleiro de construção de barcos rabelos em madeira de Gaia, a Socrenaval, abandone o espaço que ocupa “ilegalmente” desde 2015 para lançar, ainda em Fevereiro, um concurso para a entrega do espaço a um novo construtor naval. A decisão foi tomada no final da semana passada e tornada pública pelo sócio-gerente da firma, que garante ter uma licença válida para uso do domínio público fluvial, sustentada numa decisão judicial, e recusa por isso abandonar o espaço. Se não houver acordo, a empresa admite recorrer à Justiça.

A decisão da APDL apanhou de surpresa o município de Gaia, que já se ofereceu para mediar o conflito. Os donos do último estaleiro de reparação e construção naval de rabelos de Gaia têm 15 dias para desmantelar a oficina instalada ao ar livre, junto ao Cais de Gaia. Depois de 70 anos em actividade, António Sousa considera que esta está em risco. “Preocupa-nos a total falta de sensibilidade e de respeito da APDL com a destruição do tecido empresarial, com as obras de reparação e de construção em curso”, explicou ao PÚBLICO.

No final da semana passada, mal foi notificado da decisão, o empresário escreveu a várias entidades do município e apelou à mediação do presidente da Câmara. “Esta actividade secular tem passado de geração para geração (pelo menos na quarta geração), concentrada sobretudo na construção e reparação de embarcações tradicionais do Rio Douro, em madeira, nomeadamente de Barcos Rabelos, tendo sabido preservar as artes de carpinteiro naval e de calafate”, explica António Dixo de Sousa. Que pede que seja tido em conta o contributo que acrescentam “à salvaguarda do nosso património naval diferenciador, único, e cultural”, numa altura em que a construção naval em madeira está “em vias de extinção em Portugal”.

Novo concurso em Fevereiro

Contactada pelo PÚBLICO, a APDL garante contudo que também pretende manter esta actividade tradicional e quer por isso lançar um novo concurso para um novo estaleiro. A questão, explica o presidente da empresa, Nuno Araújo, é que não conseguiram chegar a um acordo para regularização de dívidas da Socrenaval, que desde 2015 ocupa o espaço sem título de utilização, na perspectiva da APDL. Uma tese que o dono do estaleiro contesta até porque, diz, paga todos os semestres a licença (a última vez já no início deste ano), depositando o dinheiro na conta da APDL à ordem do tribunal. 

Este cuidado da firma tem uma explicação. Ela funcionou, durante décadas, mais a montante, mas no início deste século acabou por ter de se mudar para o espaço onde se mantém. Pelo meio, A APDL tentou anular a licença de 1985, por necessitar de realizar obras, mas a Socrenaval contestou a decisão judicialmente garante ter uma sentença, que de recurso em recurso “deu como provado que as obras seriam - como foram - realizáveis sem afectação da actividade de construção naval”, fazendo cair os motivos para a anulação da licença existente, que continua válida, insiste António Dixo de Sousa. 

Empresa não sai do sítio

Perante este entendimento, a Socrenaval considera que estar a submeter-se a um novo concurso, como lhe chegou a ser proposto numa reunião entre as partes em Outubro, seria admitir a tese da ilegalidade da ocupação do espaço, o que os fragilizaria em termos de direitos perante a tutela. E o empresário não deixa de afirmar ainda que não compreende a atitude da APDL de considerar que seria fácil substituir uma actividade assente em saberes específicos, tradicionais, abrindo-a simplesmente a um mercado em rarefacção, no qual tem sido difícil atrair gente nova para as poucas empresas que subsistem (e nenhuma das quais, insiste, faz barcos rabelos). 

Nesse sentido, garante que não vai desmantelar o estaleiro, onde há trabalhos em curso para os próximos seis meses, esperando que ainda seja possível um entendimento. Essa é também a expectativa da administração portuária, que defende o ponto de vista em que assenta a sua decisão mais recente. Nuno Araújo adiantou ao PÚBLICO que, se regularizar as alegadas dívidas, a Socrenaval até pode concorrer em pé de igualdade com outros. De fora da contenda, o município quer ajudar a que se encontre uma “solução justa, equilibrada e legal”. 

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