Mais de um milhão de barreiras artificiais fragmentam os rios da Europa

Equipa de cientistas fez a primeira estimativa abrangente da fragmentação dos rios europeus.

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Principais rios da Europa EEA

Os rios da Europa estão muito fragmentados e a maioria deles está assim devido a pequenas barreiras artificiais. Estes foram os principais resultados de um estudo de publicado na revista científica Nature e que estima que existam mais de um milhão de barreiras, como barragens, em 36 países europeus. Portugal foi um dos países estudados e está entre os que apresentam uma maior diferença entre o número de barreiras em inventários e as que existem na realidade. Esta é a primeira estimativa abrangente da fragmentação dos rios na Europa.

Todos sabemos que os rios são ecossistemas importantes e que fornecem serviços socioeconómicos essenciais para a sociedade. Também é um facto que as actividades humanas têm vindo a fragmentar a sua livre circulação através da construção de barreiras artificiais. Mas qual é o impacto real dessas barreiras? “Um desafio crítico para quantificar a fragmentação dos rios é a falta de informação”, refere-se no artigo científico

Na tentativa de minimizar essa lacuna, o projecto AMBER (Gestão Adaptativa de Barreiras nos Rios Europeus, desdobrando o acrónimo em português) decidiu actuar. Liderado por Carlos Garcia de Leaniz (da Universidade de Swansea, no País de Gales), o projecto quer encontrar soluções inovadoras para a fragmentação dos rios na Europa. É apoiado pelo Horizonte 2020, o programa de financiamento de investigação e inovação da União Europeia.

Por agora, a equipa reuniu bases de dados globais, nacionais e regionais para avaliar o número de barreiras nos rios. Também percorreu trajectos de rios para fazer o tal registo do número de barreiras e das suas características.

Estimou-se então que há, pelo menos, 1,2 milhões de barreiras artificiais em 36 países. Dessas, 68% são estruturas com menos de dois metros de altura e que estão frequentemente esquecidas e omitidas dos inquéritos habituais. A maioria das barreiras contabilizadas foi construída para controlar o caudal dos rios, como as barragens, ou para possibilitar cruzamentos de estradas.

Concluiu-se ainda que as bases de dados tinham a tendência para não contabilizar muitas das pequenas barreiras. Levantamentos ao longo de mais de 2715 quilómetros de 147 rios mostraram que os registos das barreiras são subestimados em cerca de 61%. Todos os 147 rios tinham barreiras artificiais.

“Os rios da Europa estão muito fragmentados. A maior parte deles está assim devido a pequenas barreiras e não por causa das grandes barragens”, afirma ao PÚBLICO Carlos Garcia de Leaniz. Isto traz boas e más notícias. Comecemos pelas más: “Os rios da Europa estão mais fragmentados do que se esperava e é possível que mais rios no mundo estejam assim”, adianta o investigador. E estas são as boas notícias: muitas das barreiras detectadas neste estudo são pequenas (com menos de dois metros de altura) e já não funcionam. “Podem ser removidas e, em muitos casos, a ligação [dos rios] pode ser restaurada”, considera.

Maior e menor densidade

A área com maior densidade de barreiras é a Europa Central, que corresponde às áreas com maior densidade populacional e de estradas, bem como uso de água mais intenso. A Suíça, os Países Baixos e a Alemanha estão entre os países com maior densidade. Sobre as possíveis consequências destes resultados, Carlos Garcia de Leaniz diz que certas barreiras podem dificultar a movimentação de algumas espécies, interromper o transporte de sedimentos e reter água. “Isto pode alterar a hidrologia natural dos rios ou até mesmo a temperatura e qualidade da água”, nota o investigador.

Já a menor densidade de barreiras localiza-se em locais mais remotos e com menos população, como na Escandinávia e na Islândia. Embora nenhum rio europeu esteja livre de barreiras artificiais, certas partes dos Balcãs, da Escandinávia e do Sul da Europa estão ainda relativamente livres de fragmentações.

Em Portugal, compilaram-se dados de 1197 barreiras artificiais. Contudo, de acordo com as estimativas da equipa, haverá cerca de 16 mil. Portugal está assim entre os países que apresentam uma maior diferença entre o número de barreiras em inventários e as que existem na realidade. A Suécia foi o país que registou uma maior diferença.

Carlos Garcia de Leaniz conta que alguns colegas da Universidade de Lisboa ajudaram a sua equipa a conseguir alguns dados e a colocá-la em contacto com algumas pessoas. Apesar de também agradecerem à Agência Portuguesa do Ambiente no artigo, o investigador revela que conseguir dados das barreiras artificiais em Portugal “foi muito complicado e algumas autoridades não foram muito cooperativas”. “Escrevemos e-mails e enviámos cartas registadas para a Agência Portuguesa do Ambiente a que nunca responderam.”

Quanto aos contributos do trabalho, a equipa sugere que os resultados podem ajudar na execução e cumprimento da Estratégia de Biodiversidade da União Europeia, que pretende voltar a ligar os rios europeus até 2030. Para voltar a conectar os rios, no artigo indica-se que se deve melhorar a cartografia e a monitorização das barreiras, bem como as informações sobre o uso e situação legal dessas estruturas. Muitas já não estão a ser usadas e podem ser removidas.

Carlos Garcia de Leaniz acrescenta que um dos grandes contributos do estudo é precisamente a detecção da elevada incidência de pequenas estruturas. “As pessoas pensam que o impacto [nos rios] vem das grandes barragens, mas essas são relativamente incomuns”, realça. “As pequenas estruturas são mais desconhecidas porque são mais difíceis de detectar, a menos que se faça trabalho de campo.” Por isso, no artigo, faz-se um pedido que não é só dirigido à Europa: “Um esforço global é, portanto, necessário para cartografar pequenas barreiras ao longo dos rios de todo o mundo.”

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