Governo espanhol impõe confinamento a Madrid, sobrepondo-se às autoridades regionais

Isabel Díaz Ayuso, presidente da comunidade, diz que vai acatar as ordens, que entram em vigor na sexta-feira à noite, mas promete combatê-las nos tribunais.

Foto
As novas restrições em Madrid entram em vigor já na sexta-feira LUSA/David Fernandez

A guerra aberta por causa das divergências na resposta à pandemia de covid-19 entre a Comunidade de Madrid e o Governo de Pedro Sánchez continua sem tréguas : face à recusa do executivo da região autonómica em aplicar os critérios de confinamento recomendados, o Ministério da Saúde de Espanha emitiu uma ordem que impõe medidas restritivas à mobilidade com critérios que se aplicam em dez municípios da região, incluindo a capital. A presidente da comunidade, Isabel Díaz Ayuso, já disse que acatará a nova norma, mas promete combatê-la nos tribunais.

De acordo com a ordem emitida na noite de quarta-feira pelo ministério do Governo de coligação de esquerdas, é obrigatório estabelecer confinamentos em todas as localidades que superem os 500 casos de coronavírus por 100 mil habitantes, tenham uma taxa de casos positivos nos testes de mais de 10% e uma ocupação acima dos 35% de doentes de covid nos serviços de urgência.

Para além de outras regras dentro de cada perímetro alvo do confinamento, passa a ser proibido sair ou entrar de cada um dos municípios onde as restrições estejam em vigor excepto por razões justificadas, como ir trabalhar ou levar crianças à escola. Para já, além da capital espanhola, uma cidade de mais de 3 milhões de habitantes, as novas regras vão aplicar-se aos municípios vizinhos de Parla, Fuenlabrada, Alcobendas, Torrejón de Ardoz, Getafe, Alcorcón, Leganés, Móstoles e Alcalá de Henares.

Madrid tem actualmente 735 casos por 100 mil habitantes, o dobro da taxa nacional de Espanha e um dos valores mais altos de qualquer região da Europa.

A directiva, aprovada por maioria no Conselho Interterritorial do Sistema de Saúde Nacional (CISN), já foi publicada esta quarta-feira de manhã no Boletim Oficial do Estado. Mas o prazo de 48 horas para que se seja posta em prática acaba às 22h48 de sexta-feira, dois dias depois de as comunidades terem sido notificadas.

Ayuso vê-se assim obrigada a pôr em prática as medidas que o Ministério da Saúde lhe recomendara há mais de uma semana e que a dirigente do Partido Popular recusara aplicar. “Claro que vou acatar as ordens e cumprir as leis, com certeza que vamos cumprir”, afirmou a líder do governo regional no debate plenário da assembleia de Madrid, depois de o porta-voz do PSOE na câmara, Ángel Gabilondo, lhe recordar que a resolução é de cumprimento obrigatório.

Esta posição já representa um recuo de Ayuso, que na quarta-feira dissera não tencionar aplicar as ordens do ministério e que ao início da manhã de quinta-feira anunciara estar a estudar as suas opções legais com a procuradoria da região. “Este Conselho [CISN] não pode impor nada”, afirmara numa entrevista à esRadio. A Procuradoria-geral esclarecera, entretanto, que a norma era para ser cumprida, explicando que a lei determina que os acordos do CISN “obrigam a todas as Comunidades Autónomas, mesmo que votem contra, se o Estado exercer competências de coordenação, como é o caso”.

A Comunidade de Madrid, única região que actualmente cumpre os critérios fixados na resolução, votou contra a medida na reunião do CISN – o mesmo fizeram Galiza, Andaluzia e Catalunha; Múrcia absteve-se. Depois do encontro, o conselheiro de Ayuso para a Saúde, Enrique Ruiz Escudero, recusara dizer se a região acataria o que fora determinado.

“Esta comunidade não está em rebeldia, este governo não está em rebeldia, cumprirá de forma estrita porque não somos como os seus sócios independentistas”, esclareceu agora Ayuso, em resposta às perguntas da oposição.

Entre as opções que o Governo liderado por Sánchez tinha estava a bomba atómica do artigo 155 da Constituição – aplicado à Catalunha em 2017 por causa do processo independentista e que permite ao Executivo central suspender os dirigentes eleitos de uma comunidade para “protecção do interesse geral”, passando o Governo central a “dar instruções a todas as autoridades” dessa região. A referência aos “seus sócios independentistas” de Ayuso refere-se ao apoio da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), que em Janeiro permitiu viabilizar o Governo de coligação entre o PSOE e o Unidas Podemos.

Recorrer “ao Estado de Direito"

Ayuso cumpre mas não aceita. “Agora, isso sim, recorreremos aos tribunais novamente, como fizemos com a mudança de fase”, garantiu a dirigente conservadora. Em Maio, depois da primeira vaga de covid, Ayuso não aceitou que Madrid permanecesse no estado de emergência mais grave quando grande parte de Espanha via aligeiradas as rigorosas medidas impostas para conter o contágio. Na altura, incentivou os madrilenos a irem para a rua manifestar-se contra a decisão do Governo.

Recorrer à justiça é a solução que lhe resta para “defender os interesses legítimos dos madrilenos”, defende Ayuso. O objectivo, diz, é que as medidas sejam “objectivas e justas”. “Recorreremos ao Estado de Direito para reclamar o que é justo para Madrid”, sublinhou.

O governo de Ayuso tinha decidido impor medidas de confinamento a 45 zonas da região, onde se ultrapassam os 1000 casos por 100.000 habitantes (e não 500, como refere a nova directiva), restringindo assim fortemente os movimentos de cerca de um milhão de pessoas. A decisão foi amplamente criticada, com os moradores a acusarem as autoridades de segregação, notando a coincidência entre zonas abrangidas com as áreas mais pobres, mais densamente povoadas e onde há mais imigrantes – a dirigente chegou a relacionar o aumento de contágios com “o modo de vida da nossa imigração”.

Em geral, a resposta dada por Ayuso à pandemia tem sido alvo de duras críticas, nomeadamente desde Maio, quando recusou mudar de estratégia mesmo perante a demissão da sua directora geral de Saúde, Yolanda Fuentes, que considerou a sua política sanitária “errática”. Para além de ser acusada de ter querido aligeirar as restrições demasiado cedo, não cumpriu uma série de promessas que fez para garantir que isso não teria consequências dramáticas, nomeadamente a contratação de pessoal de saúde.

Sugerir correcção