Dieselgate: Volkswagen recusa indemnizar 125 mil portugueses, Deco pede justiça

Cinco anos depois da revelação do dieselgate, a marca compensou clientes alemães e nos EUA. Em Portugal, há uma acção colectiva por decidir há quatro anos.

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Reuters

A Volkswagen (VW) rejeita os pedidos de compensação de clientes na Bélgica, em Itália, Espanha e Portugal que se sintam lesados com o escândalo dieselgate. Numa resposta a entidades de defesa de consumidores daqueles países, o grupo alemão, que foi obrigado pela justiça alemã a indemnizar os clientes germânicos, diz que essa decisão não se estende a outros países e sustenta que, “além do mais”, portugueses, belgas, espanhóis e italianos “não sofreram danos ou prejuízos”. 

Pelas contas da própria marca, em Portugal foram vendidos 125 mil carros com motor diesel EA 189 equipados com um mecanismo que falseava o valor das emissões poluentes, num total de 11 milhões em todo o mundo, dos quais oito milhões na Europa. Um ano depois de o escândalo ter rebentado, a associação Deco entregou no Tribunal Cível de Lisboa uma acção colectiva que, quatro anos depois, continua à espera de decisão. Visto que a marca aceitou, por acordo extrajudicial, indemnizar clientes noutros países, como EUA, Austrália e, já este ano, na própria Alemanha, a Deco e as congéneres da Bélgica, da Espanha e da Itália têm tentado uma solução semelhante que pudesse beneficiar os clientes prejudicados nesses países. Porém, para a VW, nestes países não há lesados.

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11 milhões de veículos em todo o mundo foram afectados pela fraude da VW Reuters

Na resposta divulgada esta sexta-feira, e que tem a data de 15 de Julho, a marca alemã sustenta que o dieselgate “não afecta nem a segurança nem a aptidão dos carros em questão de circularem em estrada”. Diz ainda que a intervenção posterior nos motores, feita depois de a fraude ter sido exposta, “não teve impacto adverso no valor de mercado” desses carros. E acrescenta que a decisão de 25 de Maio de um tribunal alemão, que deu razão a um comprador de um VW Sharan num processo individual, não pode ser estendida e aplicada a outros países. Para Tito Rodrigues, da Deco, isto são “argumentos infantis” e o dissabor maior é a “incoerência” da marca.

Nos EUA, a VW indemnizou os clientes ao fim de um ano. Porém, nesse mercado, os carros manipulados foram proibidos de circular enquanto o motor não fosse corrigido, o que tornava mais evidente o prejuízo de quem tinha comprado um VW. Na Austrália, essa compensação aos clientes chegou ao fim de três anos e, neste caso, os carros nunca foram proibidos de circular. E na Alemanha, a empresa assumiu o compromisso de pagar 800 milhões de euros a 460 mil clientes, que estavam envolvidos num processo colectivo. Essa garantia, dada em Fevereiro de 2020, não impediu que a empresa fosse condenada, três meses depois, num processo individual que abriu a porta a dezenas de milhares de outras indemnizações em processos semelhantes.

Esta última condenação, diz a VW, “assenta em especificidades da lei civil alemã e não altera a posição de que os clientes não sofreram qualquer prejuízo ou dano em consequência deste problema”. “Como cada jurisdição é única, com diferentes leis locais e sistemas legais, as decisões numa jurisdição têm pouca relevância noutro país. Ainda que todos os clientes sejam importantes para nós, não podemos e não devemos ignorar as diferenças fundamentais nos sistemas legais das diferentes jurisdições da União Europeia”, alega a VW na carta enviada em Julho aos representantes dos consumidores em Portugal, na Bélgica, em Espanha e em Itália.

Numa decisão divulgada em Julho, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que, ao contrário do que pretendia a VW, os consumidores de outros países podem processar a marca no seu país e não dependem da jurisdição alemã. A VW pretendia o contrário, num cenário que tornaria o acesso à justiça mais difícil para todos os clientes fora da Alemanha. Agora usa o argumento novamente a seu favor: como cada jurisdição é independente, o que é decidido na Alemanha não se aplica necessariamente noutro país.

No caso português, a Deco promete que não vai desarmar, mantendo-se empenhada no processo colectivo que representa os 125 mil lesados portugueses. O mesmo responsável diz que, mesmo depois da correcção da fraude, a percepção destes clientes “continua a ser de insatisfação”. “O engano mantém-se. Podem ter corrigido as emissões, mas houve problemas que subsistiram. A marca assumiu publicamente a culpa, nalguns países aceitou indemnizar por questões políticas, como nos EUA, e não por questões jurídicas ou técnicas. Há aqui uma incongruência que é incompreensível”, argumenta Tito Rodrigues. 

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Deco critica a incongruência da marca, com decisões diferentes em países diferentes Reuters

Num comunicado, a Deco lamenta que “passados cinco anos, continua a falta de respostas e a desigualdade”. "É hora de compensar todos os consumidores europeus e não só os alemães” – e “face desta posição autoritária e discriminatória” ninguém vai desistir das acções judiciais que correm nos demais países europeus - com destaque para Portugal, Espanha, Bélgica e Itália (do grupo Euroconsumers). 

“Isto só tem dois desfechos possíveis. Ou a VW paga a bem, com acordo, ou paga a mal”, garante Tito Rodrigues. E por isso é garantido que as acções em curso “continuarão até todos os consumidores serem compensados de forma justa pelo engano de que foram vítimas”.

Em 2015, descobriu-se que a VW recorreu a um dispositivo electrónico nos carros com motor diesel EA 189 para baixar de forma fraudulenta o nível de emissões. As emissões medidas em teste eram menores do que as emissões reais, uma fraude comercial que ficou para a história como o “escândalo dieselgate”. Um artigo na revista Nature, em 2017, atribuiu quase 38 mil mortes em 2015 ao dieselgate, numa análise ao impacto na poluição desta fraude que, como o mundo descobriu depois, também foi praticado por outras marcas.

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