JK Rowling devolve prémio de direitos humanos a organização que a acusa de prejudicar comunidade transgénero

Em Dezembro, a Robert F Kennedy Human Rights atribuiu à autora de Harry Potter o galardão de reconhecimento pelo seu trabalho de “compromisso pela mudança social”. Agora a sua presidente condena as declarações da escritora.

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A autora lamenta as declarações de Kerry Kennedy e, por isso, decidiu devolver a distinção Neil Hall

JK Rowling vai devolver o prémio Ripple of Hope, que recebeu o ano passada da Robert F Kennedy Human Rights (RFKHR) depois de a sua presidente, Kerry Kennedy, ter criticado as opiniões da escritora em relação às questões das pessoas transgénero. Recorde-se que em Junho, a autora da saga Harry Potter escreveu um ensaio onde detalhava pesquisas e crenças sobre questões transexuais, incluindo exemplos de exigências dos activistas transexuais que defendeu serem perigosas para as mulheres. Um dos exemplos mencionado foi o acesso dos transgéneros a espaços exclusivos para mulheres, como as casas de banho.

Rowling relacionou a sua experiência de vítima de agressão sexual à preocupação com o acesso de transgéneros a casas de banho, acusando o movimento defensor dos direitos LGBT de “proteger predadores”. “Quando abrem as portas das casas de banho e vestiários a qualquer homem que acredite ou sente que é uma mulher… então abre a porta a todo e qualquer homem que queira entrar”, lê-se no ensaio. Nas semanas seguintes, Rowling foi criticada nas redes sociais pelas suas publicações “transfóbicas” e pelo menos dois dos maiores sites de fãs de Harry Potter, afastaram-se da autora da saga, considerando que aquele texto e declarações sobre o tema são contrárias à mensagem de aceitação que a autora passa nos best-sellers.

Os sites The Leaky Cauldron e Mugglenet anunciaram que deixariam de disponibilizar ligações para o site pessoal da autora britânica, de utilizar fotografias suas e de comentar outros livros não relacionados com o mundo fictício que Rowling criou. “As pessoas marginalizadas (estão) desfasadas da mensagem de aceitação e capacitação que encontramos nos livros e que é celebrada na comunidade Harry Potter”, lia-se no comunicado conjunto dos dois portais.

No início de Junho, a autora escreveu uma série de comentários no Twitter, incluindo um que dizia: “Se o sexo não for real, a realidade vivida pelas mulheres em todo o mundo é apagada. Eu conheço e amo pessoas trans, mas apagar o conceito de sexo tira a capacidade a muitos de discutirem suas vidas de maneirasignificativa.” Além da condenação feita por organizações de defesa dos direitos LGBT, também alguns actores da saga Harry Potter, como Daniel Radcliffe, fizeram ouvir o seu descontentamento

If sex isn’t real, there’s no same-sex attraction. If sex isn’t real, the lived reality of women globally is erased. I know and love trans people, but erasing the concept of sex removes the ability of many to meaningfully discuss their lives. It isn’t hate to speak the truth.

— J.K. Rowling (@jk_rowling)
June 6, 2020

Declarações “perturbadoras”

No início deste mês foi a vez de Kerry Kennedy, presidente da RFKHR, escrever um texto, publicado no site da organização, onde se confessa “desanimada” por causa dos “tweets transfóbicos e declarações profundamente perturbadoras” feitas por Rowling, a quem a organização norte-americana tinha entregado o prémio, em Dezembro passado, por considerar que se tratava de uma personalidade que demonstrava um “compromisso com a mudança social” e também como forma de agradecer o trabalho da sua organização de solidariedade, a Lumos, que combate a institucionalização das crianças.

Na altura, quando da aceitação do prémio, a autora declarou que foi uma das “maiores honras” que já recebera. “Robert F Kennedy personificava tudo o que eu mais admiro num ser humano”, declarou. Antes da britânica, o ex-presidente Barack Obama, o arcebispo sul-africano Desmond Tutu e o actual candidato democrata à presidência dos EUA Joe Biden também já receberam aquele galardão.

Para a presidente da associação e filha de Robert “Bobby” Kennedy, os comentários de Rowling “tiveram o efeito de degradar as experiências vividas pelas pessoas trans”, acrescentando que estes “ataques à comunidade transgénero são inconsistentes com as crenças e valores fundamentais de RFKHR e representam um repúdio à visão do meu pai”. Kerry Kennedy revela que falou com a autora para expressar o seu “profundo desapontamento por ter escolhido usar os seus dons notáveis para criar uma narrativa que diminui a identidade dos trans e das pessoas não binárias, minando a validade e integridade de toda a comunidade trans”.

Nesta quinta-feira, Rowling anunciou no seu site que vai devolver o prémio por uma questão de “consciência” e defende que tem sido sempre uma apoiante dos direitos LGBT, incluindo dos transgéneros. “Rejeito terminantemente a acusação de que odeio as pessoas trans ou que lhes desejo mal, ou de que defender os direitos das mulheres é errado, discriminatório ou que tal incita à violência contra a comunidade trans”, escreve, acrescentando que tem recebido o apoio de muitos especialistas que pensam como ela.

“Clínicos, académicos, terapeutas, professores, assistentes sociais e funcionários de prisões e refúgios femininos também entraram em contacto comigo. Esses profissionais, alguns no topo das suas organizações, expressaram sérias preocupações sobre o impacto da teoria da identidade de género sobre adolescentes vulneráveis e sobre os direitos das mulheres, e sobre o desmantelamento das normas de salvaguarda que protegem as mulheres mais vulneráveis. Nenhum deles odeia pessoas trans. Pelo contrário, muitos trabalham e são pessoalmente profundamente solidários com os indivíduos trans”, informa JK Rowling, apelando a algum bom senso nesta matéria. A autora acrescenta ainda que acredita que “chegará a hora” de as pessoas e organizações que “abraçaram este dogma da moda sem crítica e demonizaram aqueles que pedem cautela” de responderem pelos danos causados.​

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