Covid-19: Congresso do Brasil anula vetos de Bolsonaro à lei de proteção indígena

Entre os pontos vetados pelo Presidente brasileiro estava o acesso universal a água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene e desinfecção de superfícies, a oferta de emergência de camas hospitalares e de unidades de cuidados intensivos.

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Índios Kayapó bloquearam a auto-estrada BR 163 para exigir medidas de protecção contra a covid-19 Reuters/LUCAS LANDAU

O Congresso brasileiro anulou o veto parcial do Presidente Jair Bolsonaro ao projecto de lei que determina medidas de protecção para comunidades indígenas durante a pandemia de covid-19.

A Câmara dos Deputados foi a primeira a ir a votos, derrubando os vetos presidenciais, após um acordo entre as lideranças do Congresso e representantes do Governo. De tarde, foi a vez de o Senado confirmar o entendimento alcançado horas antes.

A lei em causa, aprovada em 7 de Julho, determina que os povos indígenas, as comunidades quilombolas (descendentes de negros que fugiram da escravatura) e demais povos tradicionais sejam considerados “grupos em situação de extrema vulnerabilidade” e, por isso, de alto risco em emergências de saúde pública, como a pandemia do novo coronavírus.

"Crueldade sem limite"

Contudo, o chefe de Estado acabou por vetar 22 pontos do projecto.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou o veto de Bolsonaro como “inacreditável” e defendeu que fosse derrubado, diz a Agência Senado. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse que o veto do Executivo era de “uma crueldade sem limite”. Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), de todos os vetos do Presidente brasileiro, nenhum foi mais desumano, por dificultar o acesso da comunidade indígena a bens básicos e até a água potável, cita ainda a Agência Senado.

De facto, entre os pontos vetados pelo Presidente Jair Bolsonaro estava o acesso universal a água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies, a oferta de emergência de camas hospitalares e de unidades de cuidados intensivos, a aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, a distribuição de materiais informativos sobre a covid-19 e pontos de acesso à Internet nas aldeias.

O texto aprovado determina o acesso das comunidades a uma lista de serviços a serem prestados “com urgência e de forma gratuita e periódica” pelo Estado.

O Brasil totaliza 111.100 vítimas mortais e 3.456.652 de casos confirmados de covid-19 desde o início da pandemia, registada oficialmente no país em 26 de Fevereiro, sendo o segundo país mais atingido pela doença no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), até 16 de Agosto de 2020, houve 25.415 casos de covid-19 indígenas brasileiros, 678 óbitos e 146 povos afectados pela pandemia, diz o site Carta Capital. 

 Outro site, a Plataforma de Monitoramento da Situação indígena na Pandemia do Novo Coronavírus​, faz uma cronologia das infecções para chegar à conclusão que o Estado brasileiro não só foi omisso como ajudou o vírus a se espalhar entre as populações indígenas. Defendem que profissionais da Secretaria Especial de Saúde Indígena acabaram por levar o vírus para as aldeias, e que os próprios índios ficaram contaminados quando foram às cidades em busca de ajuda de emergência. Além disso, houve um aumento das invasões de terras indígenas durante a pandemia.

Queixa ao TPI

​Uma queixa conjunta de 60 organizações de profissionais de saúde e de movimentos sociais, liderados pela Rede Sindical UniSaúde, entregou no fim de Julho, em Haia, no Tribunal Penal Internacional (TPI), uma queixa contra o Presidente do Brasil por “falhas graves e mortais” na resposta à pandemia de coronavírus. O documento de 64 páginas pede a condenação de Jair Bolsonaro por genocídio por se ter recusado a pôr em prática políticas de protecção para as minorias no país.

​As organizações, que representam mais de um milhão de profissionais brasileiros, falam em crimes contra a humanidade praticados por Bolsonaro. Na queixa, refere-se que a “atitude de menosprezo, descaso, negacionismo” acabou por trazer “consequências desastrosas” para o Brasil, com o “consequente crescimento da disseminação, total estrangulamento dos serviços de saúde”. Entre outros pontos, a denúncia diz que Bolsonaro falhou na protecção das populações mais vulneráveis, como os indígenas e os quilombola, ao vetar a obrigatoriedade do Governo federal garantir água potável a essas comunidades durante a pandemia.

A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 781.194 mortos e infectou mais de 22,1 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

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