Marcelo diz que não existe ligação entre o transporte ferroviário e o surto em Lisboa

O fim das reuniões, anunciado por Marcelo Rebelo de Sousa no final do décimo encontro, foi criticado pelos vários partidos, menos pelo PSD.

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Ministra da Saúde, Marta Temido LUSA/MANUEL DE ALMEIDA
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Marcelo Rebelo de Sousa LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Dez reuniões no Infarmed e 128 dias depois de o primeiro caso de covid-19 ter sido detectado em Portugal, o Presidente da República anunciou que não haverá mais encontros entre políticos, parceiros sociais, conselheiros de Estado e patrões. No final da reunião, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que este ciclo terminou e que poderá ser retomado, mas noutros moldes, mais reduzidos. Com excepção do PSD, todos os partidos lamentaram o fim dos encontros. André Ventura queixou-se de ter sido surpreendido pela notícia já cá fora, depois de no interior do auditório do Infarmed não ter sido marcada nova data para outra reunião.

À saída da reunião, Marcelo Rebelo de Sousa citou ainda um estudo que demonstra que “não existe ligação entre transporte ferroviário e o surto pandémico.

O Presidente apresentou dados concretos à comunicação social que mostram que a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo está a evoluir favoravelmente. “R [taxa de transmissão do vírus] nacional é agora de 0,98 e de 0,97 na região de Lisboa. Olhando para os últimos dias, há uma estabilização e uma tendência, embora ligeira, de aparente descida”, informou o Presidente da República, apesar de acrescentar que “é cedo para fazer a avaliação definitiva”.

Ainda sobre Lisboa, o Presidente revelou que houve um “aprofundamento da comparação socioeconómica entre as várias regiões” que demonstrou que “o panorama no distrito do Porto e de Lisboa é distinto”. E disse que houve um reforço de 40% das equipas que andam na rua a fazer o levantamento dos contágios.

Marcelo citou um dos vários estudos apresentados durante a reunião, incluindo um que “parece demonstrar que não existe ligação entre transporte ferroviário e o surto pandémico, é um dado novo que não era conhecido mas que foi estudado”, o que reforça declarações recentes da ministra da Saúde. “Linhas que à partida se considerariam de risco maior, verificou-se que são de risco, não direi irrelevante, mas escassíssimo. Do estudo parece decorrer que não está aí um factor causal determinante de transmissão do vírus”, concretizou.

Outro trabalho citado insiste que a coabitação continua a ser “o factor mais importante em termos de explicação causal dos surtos, logo seguida da convivência social, que tem vindo a ganhar importância”. “A coabitação ainda hoje é a explicação dominante para a transmissão”, repetiu depois.

A última reunião

Marcelo aproveitou para agradecer a quem teve a ideia das reuniões no Infarmed. “Terminamos hoje uma experiência de vários meses iniciada em final de Março. É possível dizer desde já como foi muito importante este tipo de reuniões. Foi uma experiência única não verificada em nenhum outro país no mundo. Facilitou convergência. Valeu a pena o exercício”, disse, explicando que este ciclo conhece agora o fim porque há estudos que estão a ser feitos (estudo sobre eventual capacidade de imunização estará pronto no final de Julho, a que se seguirá um estudo a cinco meses e sucessivos de três meses três meses), há a convicção da estabilização e está a passar-se do plano “macro” para o “micro”.

Dados citados pelo chefe de Estado indicam que o tempo mediano de internamento está hoje entre os 10/11 dias no caso do internamento geral e 17/19 nos cuidados intensivos. “Para um cenário que se pode considerar pessimista, de 338 casos novos, haveria 39 internados novos e um total de 607 no internamento geral e 91 nos cuidados intensivos, bem dentro da capacidade global do Serviço Nacional de Saúde”.

As últimas reuniões já tinham sido mais concentradas na análise da situação de Lisboa – onde os contágios estavam a evoluir de forma mais preocupante, mas não descontrolada, garantiam os peritos –, e a mais recente foi umas das mais acesas. Relatos ao PÚBLICO deram conta de um momento de maior tensão no encontro de 24 de Junho, com António Costa a corrigir a ministra da Saúde, quando esta se referiu ao período de “confinamento”, e com os especialistas a negarem que a realização de mais testes explica o aumento do número de casos em Lisboa

Ainda antes de os participantes saírem do Infarmed, já Catarina Martins dava conta de mudanças na reunião com “mais indicadores para análise”.

“Reunião no Infarmed, com mais indicadores para análise. Há diferenças na incidência no país e ao longo do tempo, mesmo considerando concelhos onde se habita, transportes e sector da economia. Um elemento permanece: a pobreza e exclusão são factor de risco. Não há crises simétricas​”, escreveu a líder bloquista na sua conta da rede social Twitter.

Indicador de contágio é superior no Norte

José Luís Carneiro, do PS, salientou que os portugueses estão a confiar mais na forma como está a ser feito o desconfinamento e que os indicadores de confiança na resposta do SNS também estão a melhorar. “Em relação a Lisboa, a resposta está a ser adequada, pesem embora as dificuldades, e as medidas selectivas estão a produzir os seus efeitos”. O secretário-geral adjunto do PS concluiu com uma palavra de agradecimento às autoridades de saúde e à forma como deram suporte às decisões políticas. Também revelou o valor da taxa de transmissão (R) nas várias regiões do país. “O indicador de contágio na região Norte está hoje em 1,09; na região Centro em 1,08; em Lisboa e Vale do Tejo em 0,97; no Alentejo em 0,86; no Algarve em 0,77”, disse. 

Pelo PSD, já que Rui Rio participou à distância, falou Ricardo Baptista Leite. “A principal conclusão a tirar desta reunião é que, se falharmos na resposta de Lisboa, estaremos a falhar ao país”, disse o deputado. O PSD não viu apenas os números positivos apresentados e escolheu salientar os negativos: “Temos agora 48 surtos, quando há duas semanas eram 12; a percentagem de pessoas com infecção que não sabemos como se infectaram é de 18% na região de Lisboa e de 26 e 27% na região Centro e Norte; e houve um aumento do número de internamentos e de mortalidade na região de Lisboa e Vale do Tejo”. No capítulo da notícia mais positiva, o PSD sublinhou “uma aparente estabilização” que apenas aconteceu nos últimos dias, segundo dados provisórios. “Onde não verificamos essa inversão é no concelho de Sintra e de Lisboa”, disse Baptista Leite.

O bloquista José Manuel Pureza fez questão de começar por referir que as reuniões no Infarmed, que agora chegam ao fim, foram positivas. “Os dados estão razoavelmente estabilizados”, referiu o deputado, voltando a sublinhar a “menção a determinantes económicas e sociais da doença”. A importância dos movimentos pendulares, a sobrelotação dos alojamentos, a falta de alternativas para muita gente que não tem outra hipótese senão ir trabalhar para sobreviver foi a realidade que o Bloco lembrou à saída do encontro para pedir “medidas de alcance socioeconómico”.

“Aceitando que estas reuniões tenham chegado ao fim de um ciclo, é muito importante que no Parlamento se continue a fiscalizar a evolução da pandemia e das medidas que se vierem a tomar”, disse ainda José Manuel Pureza.

Jorge Pires, do PCP, frisou a “importância das reuniões” e associou o fim dos encontros à “opinião de um líder político muito amplificada” pela comunicação social. “Não negamos a ciência. O conjunto de pessoas que trabalharam ao longo destes meses prestaram um grande serviço”, elogiou. O comunista pediu que as reuniões sejam retomadas, “nem que seja mais à frente”.

Também o PEV reconheceu que as reuniões são muito relevantes e que a partilha de informação é indispensável. “Sabemos que a pandemia não está debelada e que temos de conviver com ela”, disse a dirigente Dulce Arrojado. Na sua declaração, a ecologista pôs ainda a tónica na questão das condições socioeconómicas, tal como havia feito o deputado do Bloco de Esquerda.

O CDS, pela voz de António Carlos Monteiro, lamentou o “fim das reuniões numa altura em que a crise de saúde pública continua” e acrescentou que não é com menos informação que as soluções aparecem. “Não há nenhum milagre português”, afirmou. “Em número de contágios por milhão de habitantes, Portugal fica apenas atrás da Suécia, que não teve qualquer confinamento. Os portugueses pagaram o preço do confinamento em falências e desemprego e isso não teve o efeito desejado. O que sentimos é uma enorme frustração”, conclui o centrista.

André Ventura, do Chega, estranhou o fim das reuniões após as declarações de Rui Rio e a “passividade enorme” do Presidente da República e salientou o alinhamento e a concertação entre todos estes actores. “De uma forma ou de outra é a AR que tem de tomar decisões e não faz sentido estar a transformar este modelo num modelo ‘micro’”. Ventura sublinhou que os números mostram um aumento de contágio entre os jovens, nos lares e no Algarve. “É urgente olhar para o Algarve com especial atenção”, pediu. 

Ventura criticou apenas a comunicação de alguns dados feitos pelos especialistas – não todos. “Não estamos aqui para ouvir propaganda.”

Carla Castro, da Iniciativa Liberal, criticou a “forma como o Governo continua a encontrar inimigos externos e culpados”, quando deveria estar a tentar “encontrar soluções para os problemas”.

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